sábado, 27 de fevereiro de 2010

Nietzsche. Usos e desvantagens da história para a vida.

“Além disso, odeio tudo aquilo que somente me instrui sem aumentar ou estimular a minha atividade. Estas são as palavras de Goethe que poderiam dar início à nossa consideração sobre o valor e o não-valor dos estudos históricos. Pretendemos realmente expor nesta consideração a razão por que devemos, segundo a fórmula de Goethe, detestar profundamente a instrução que não estimula a vida, o saber que paralisa a atividade, os conhecimentos históricos que são somente um luxo dispendioso e supérfluo: porque aqui ainda nos falta o estritamente necessário e porque o supérfluo é inimigo do necessário. Certamente, temos necessidade da história, mas não temos necessidade dela do modo como tem o ocioso refinado dos jardins do saber, por mais que este olhe com altaneiro desdém os nossos infortúnios e as nossas privações prosaicas sem atrativo. Temos necessidade dela para viver e para agir; não para nos afastarmos comodamente da vida e da ação e ainda menos para enfeitar uma vida egoísta e ações desprezíveis e funestas. Não queremos servir à história, senão na medida em que ela sirva à vida.”

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Para pensar

"A história não é uma construção disposta em andares em que uma base material e econômica sustentaria um andar térreo social no qual se sobreporiam superestruturas de destino cultural (ateliê de pintura, sala de jogos, gabinete do historiador); é um monolito em que a distinção de causas, de fins e de acasos é uma abstração."

Paul Veyne, in Como se escreve a história.

Os gregos e o irracional


Apesar de ser uma obra do século XIX, a escultura em bronze de Rodin sintetiza o nosso senso comum sobre os gregos: os pensadores, e mais, os racionais. E é por isso que o livro de E.R. Dodds me surpreendeu muito. “Os gregos e o irracional” não trata da história da religião grega, mas estuda a relação das mentes gregas com o sagrado. O autor não vê porque dar privilégio aos gregos antigos em detrimento de outros povos acerca dos “modos primitivos de pensamento”. Desse modo, ele analisa aspectos irracionais como a loucura, os sonhos, a epilepsia, a possessão, o daemon, etc., através dos períodos homérico, arcaico e clássico.

De início Dodds trata da insanidade parcial e temporária atribuída a uma intervenção externa. A ate é um estado mental no qual os deuses enfeitiçam a capacidade de discernimento do homem. Este age inconscientemente dando lugar a impulsos não sistemáticos e não racionais. Um exemplo estudado é a súbita mudança de humor dos heróis homéricos.

Outro traço marcante no mundo homérico é o modo pelo qual seus personagens vinculam toda espécie de fato mental à intervenção de um daemon. Este deus indeterminado acompanha a pessoa desde o seu nascimento e interfere - mas não decide - nas ações e falas do indivíduo. Dodds enxerga nessa incapacidade de identificar um deus específico para determinados acontecimentos um vínculo de similaridade entre os gregos e as outras culturas.

Em seguida são destacados os papéis da loucura e dos sonhos. “Nossas maiores bênçãos vêm a nós através da loucura” diz Sócrates no Fedro. Entretanto, “o pai do racionalismo ocidental” não é comumente retratado como quem prefere a loucura à sanidade. Na Grécia os loucos, apesar de serem mantidos afastados, eram vistos com temor respeitoso, pois se acreditava que eles tinham contato com o sobrenatural. Por conseguinte, a epilepsia era uma doença sagrada e a partir dela formou-se a idéia popular de possessão. Já nos sonhos, o homem homérico tratava a visão como fato objetivo. Ele não tinha um sonho, ele via um sonho.

Mais adiante, Dodds aponta o fim do mundo dos daemons. A partir de então o homem ficou sozinho. Todavia, apesar de não ser mais sobrenatural, o mau não deixou de ser aterrorizante. É na Atenas do séc. V a.C que o “iluminismo grego” floresceu e produziu figuras como Platão. Ele cresceu num meio social que tinha orgulho em medir todas as questões ante o crivo da razão. À luz deste movimento, o filósofo podia lidar com o comportamento humano sem o auxílio do ritual, mas o homem comum não. Ou seja, “racionalismo para poucos e magia para muitos.” Assim, para os homens do “iluminismo grego”, o século de Ouro não era o dos primórdios relatado por Hesíodo e sim o tempo vindouro (mas a idade de ouro prometida na década de 440 a.C não coaduna com a realidade da Guerra do Peloponeso).

Por fim, avalia o autor, o racionalismo trouxe consigo perigos para a ordem social e, paradoxalmente, um dos seus efeitos foi a demanda, cada vez maior, da geração seguinte por curas mágicas e cultos estrangeiros.

A fantasia do “racionalismo total” fica muito clara para mim no exemplo de Hipócrates e Asclépio. A polis recorria às duas diferentes figuras, a técnica e a superstição respectivamente, ao mesmo tempo. Hipócrates rejeita em suas obras as práticas mágicas e inicia o caminho que nós chamamos hoje de científico em relação à saúde. Entretanto, a serpente no bastão de Asclépio é, ainda no século XXI, um símbolo da medicina.

Ou seja, E. R. Dodds tenta lançar uma luz sobre a relevância de fatores não racionais na experiência do comportamento humano e se pergunta “porque um povo tão civilizado, esclarecido e racional como os jônios não eliminou de seus épicos nacionais esses vínculos com a cultura e o passado primitivo, do mesmo modo como eles eliminaram o medo da morte.” Ele conclui que nem Protágoras, Sócrates ou mesmo Platão correspondem exatamente à imagem moderna e popular de “racionalista grego”.

Vale lembrar que Dodds não é o pioneiro nesse sentido, Gilbert Murray e Martin Nilson já vinham trabalhando o tema. Mas, o olhar de Dodds se distingue do desses estudiosos por sua experiência como editor de uma revista de estudos paranormais e membro da Society for Psychical Research.

Recomendo esta obra porque, além de questionar alguns lugares-comuns sobre a Grécia e seus filósofos intocáveis, o conteúdo do livro é facilmente entendido por quem não tem conhecimento especializado em Grécia Antiga. Além disso, Dodds faz uso da antropologia e da psicologia social na análise da história (ver sobre a relação entre história e antropologia aqui.) e avança nessa conversa interdisciplinar. Faço apenas uma ressalva ao emprego indiscriminado o termo “primitivo” uma vez que a antropologia tem questionado tal uso.


Dodds, E.R. Os gregos e o irracional. São Paulo: Escuta, 2002.[ na BCE 133.5(09) D642g =690 ]

Murray, Gilbert. Five stages of greek religion. London: Watts, 1943. [na BCE 292.11 M982f 2. ed. ]

Platão. Diálogos I: Menon, Banquete, Fedro. Rio de janeiro: Ediouro, 1999. [na BCE 1(38) P718d 21. ed. =690 ]



segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Youtube Caretão


Lançado em 2008, o Zappiens é um “youtube caretão”. Tem duas versões em português, uma brasileira e uma portuguesa . No Brasil foi criado por iniciativa do Comitê Gestor da Internet (isso mesmo! Existe gente que monitora a web no Brasil...) junto com outras entidades acadêmicas/científicas como USP, Arquivo Nacional e Rede Nacional de Ensino e Pesquisa. É um exemplo de bom conteúdo na internet a ser consultado como referência para pesquisas. Só usuários registrados podem transferir um arquivo e este é avaliado por uma comissão para garantir a qualidade. Os vídeos não excedem os 30 min. Na versão BR, temos disponibilizados, por exemplo, os cinejornais da década de 30 a 70 produzidos pela Agencia Nacional. A versão PT, o conteúdo está dividido em Artes e Humanidades; Ciências Gerais; Ciências da Saúde; Ciências Sociais; Engenharia e Tecnologias.Ou seja, como no Youtube, você pode usufruir e contribuir para o acervo em construção.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Já está disponível no site da UnB a lista de oferta 2010/01.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Para Pensar





" O livro de história será sempre uma tradução, melhor ou pior, destinando-se por definição ao leitor de uma outra língua, no caso, de um outro tempo."

Evaldo Cabrall de Mello in Sobre a História e outros ensaios de Michael Oakeshott