sábado, 30 de janeiro de 2010

Zakhor: História Judaica e Memória Judaica


Hoje inauguramos um novo espaço no blog. Serão resenhas sobre livros que, de alguma forma, fizeram diferença no nosso repertório de leitura mudando a nossa visão sobre determinados assuntos.
Começo falando sobre Zakhor: História Judaica e Memória Judaica escrito por Yosef Hayim Yerushalmi. Historiador judeu profissional, Yerushalmi se coloca como uma nova figura na história judaica. Ele problematiza a relação dos judeus com o seu próprio passado e o lugar do historiador dentro desse relacionamento. Y.H.Y separa a historiografia e memória coletiva, insistindo que uma não pode substituir a outra. Afirma ainda que, entre todas as histórias, a do povo judeu foi a mais reticente à secularização porque como história nacional era considerada sagrada e tinha como fator causal a providência divina.

O primeiro capítulo trata de como o mandamento da lembrança se relaciona com a escrita da história dos judeus. O verbo lembrar (zakhor) aparece 169 vezes na Bíblia Hebraica. Ou seja, os judeus, povo tão ligada à escrita, estão determinantemente proibidos de esquecer. Nesse sentido, o corpus da narrativa do Antigo Israel está sempre marcado pelo selo da anterioridade histórica. Moisés vem ao povo no Egito em nome do Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, seus antepassados.
Posteriormente, Y.H.Y apresenta o cerne dessa obra: o divórcio entre a historiografia moderna judaica e a memória coletiva judaica. A historiografia moderna busca compreender as minúcias do passado e procura reconstruir um passado total à moda de Funes, El memorioso. Preocupações dessa natureza nunca foram parte da memória coletiva judaica. Os judeus, seduzidos pela tradição, consideram o trabalho do historiador sem valor. Num ciclo de renovação da tradição, buscam a eterna contemporaneidade do passado.
No pós-escrito – Reflexões sobre o esquecimento - Y.H.Y enfatiza a “Atrofia da Memória, Hipertrofia da História” apontando para a justaposição entre o crescimento da moderna historiografia judaica e a declínio da memória judaica. Nesse sentido, Nietzsche, em 1874, já proclama o historicismo como uma doença: “o excesso de história, ao contrário, mata o homem”.
O autor concorda em certa medida com Nietzsche ao afirmar que a memória condiciona a ação. Porque ao filósofo alemão “toda ação exige esquecimento”. Funes fica paralítico e nesse estado o excesso de memória o impossibilita de agir. Mas esquecer, como já visto, é um pecado mortal na Bíblia Hebraica. E a posição do autor reflete a sua condição de judeu, pois ‘Se fosse necessária uma escolha, me posicionaria ao lado do “demasiado” ao invés do muito pouco, pois meu terror do esquecimento é maior que o meu terror de ter muito o que lembrar.”
Chama a minha atenção quando o historiador é responsabilizado por Y.H.Y a ser o guardião da memória. Parece um tanto contraditório, pois, durante o seu discurso, o autor fez questão de enfatizar a diferença entre a história e a memória judaica. É estranho porque o historiador de hoje, munido de quilômetros de métodos e restrições, não se assemelha, nem quer se assemelhar, ao profeta, no caso judeu, ou ao aedo, no caso grego, tradicionais guardiões da memória.
No conjunto, esta obra muito contribuiu para o meu entendimento da fenomenologia da história e do esquecimento coletivo de todos os povos. Paul Ricceur dedica quatro páginas à Zakhor, em “A Memória, A História, e o Esquecimento”, e afirma que “O livro de Yerushalmi tem a virtude (...) de permitir o acesso a um problema universal graças à exceção construída pela singularidade da experiência da existência judaica”. E no meu interesse por história do Oriente, principalmente na dos judeus, fiquei surpresa em descobrir que apenas na segunda metade do século XIX encontrou-se um consenso de que o conhecimento da História era algo desejável entre os judeus. A partir daí, Leopoldo Zunz e um grupo criaram a Verein fur Cultur and Wissenschaft der Juden (Sociedade para a cultura e o estudo científico dos judeus). Então, iniciou-se, baseado na metodologia característica do século XIX, um esforço para de reunir bibliografia, arquivos etc. Ou seja, eu pensava que a História dos judeus já era muito estudada, mas ao ler o livro percebi que poderia haver um espaço para mim.

Zakhor: História Judaica e Memória Judaica. Yosef Hayim Yerushalmi. RJ: Imago Ed., 1992. 172 p.
Escritos sobre história
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Friedrich Nietzsche. Rio de Janeiro: Ed. PUC - Rio; São Paulo: Loyola, 2005
A memória, a história, e o esquecimento. Paul Ricceur. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2007.