Caros alunos e leitores deste blog, dessa vez vou abrir nosso espaço para uma discussão um tanto desagradável. Diante da evidente vulgaridade da Revista Veja, melhor seria ignorá-la. Mas, neste caso, acredito que precisamos pensar um pouco sobre o conteúdo de uma de suas matérias sensacionalistas e superficiais. Refiro-me ao texto intitulado “Madraçal* no Planalto”, que saiu no número desta semana. Vou comentar alguns pontos da matéria, mais relacionados ao tema dos usos do passado:
1. Em primeiro lugar, o texto começa com referências laudatórias e nostálgicas com relação ao passado de lutas da UnB contra a ditadura. Isso é mera figura de retórica: a exaltação de um passado que não incomoda mais justamente por ser passado, em nome da desqualificação do presente. Isso é recorrente na tradição política. Pode ser resumido com aqueles versos de Aldir Blanc: “não se fazem mais moinhos como os de antigamente!” É um tipo de argumento que visa enaltecer uma figura para, por contraste, rebaixar outra. A mesma revista que, em outras matérias, vem dizendo que quem lutou contra a ditadura era “terrorista”, agora recorre à imagem da “luta democrática”. Aliás, essa própria figura de retórica é mentirosa: houve muita resistência na UnB contra a ditadura, mas a história da UnB não se confunde com a da resistência. Precisamos nos lembrar de que também houve muita colaboração. Isso em nome de uma visão política menos maniqueísta e manipulável pelo esvaziamento do passado promovido por interesses não muito claros.
2. Por outro lado, se juntarmos a citada matéria a outra que saiu recentemente sobre a maconha, veremos que parece existir uma coincidência de notícias difamatórias sobre a universidade. A difamação é baseada em estereótipos: estudantes maconheiros e/ou subversivos. A velha imagem da imoralidade estudantil, somada ao anticomunismo (e, veja!, a Guerra Fria acabou!) – agora também sobreposta à discussão sobre a questão racial. Estereótipos não compõem argumentos, são meras acusações, agressões baseadas na adjetivação. Esta é uma das marcas do discurso autoritário. Ele ignora as diferenças, é vulgar e maniqueísta. Portanto, se algo na matéria da revista Veja nos leva a pensar na ditadura, não é a alusão explícita usada no início do texto, mas a forma autoritária da exposição.
3. O texto traz muitas acusações de perseguição a professores. As acusações são muito graves. Mas, como não participo de nenhum grupo político ligado à reitoria e estou na universidade há pouco tempo e, portanto, não tenho informações sobre o assunto, deixo que os acusados respondam, se assim lhes interessar. O que nos interessa mais no texto é seu estilo e a recorrência de velhos lugares comuns que foram usados, outrora, para justificar a invasão e as violências cometidas contra a UnB (uma boa pesquisa seria ler os jornais e revistas que saíram à época da invasão da UnB, em 1968. Talvez,para citar uma daquelas canções estudantis/esquerdistas que fazem o coração dos paranóicos saltar, a conclusão seria: somos como nossos pais). Com base em algumas acusações o autor constrói generalizações abusivas. Com esse tipo de tática, qualquer coisa pode ser “provada”. Alguém pode escolher 3 ou 4 entrevistados e montar um texto provando, por exemplo, que as araras do zoológico estão sendo treinadas para ações de guerrilha urbana ou que os freqüentadores do Rotary Club usam drogas pesadas em seus chás beneficentes.
4. O elogio ao passado é, no mínimo, ambivalente, visto que só tem uma função específica: desqualificar a atualidade. Com esse gesto, a revista procura se apropriar de uma tradição e apresentar-se como sua paladina: a tradição democrática, anti-ditadura. Mas, ironias da história, o golpe de 1964 também foi feito em nome da democracia!
* Orientalismo?
segunda-feira, 4 de julho de 2011
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