A relação entre narrativa e história tornou-se
um debate entre os filósofos e historiadores de língua inglesa a partir da
metade da década de 1960 com a publicação simultânea de trabalhos de W. B.
Gallie, Morton White e Arthur Danto. Eles enfatizaram o papel da narrativa no
trabalho dos historiadores e foram muito criticados. O estudo da narrativa na
literatura, evidentemente, já era desenvolvido há muito tempo e autores como
Northrop Frye, Vladimir Propp, Roland Barthes e outros, produziram estudos
significativos sobre a estrutura da narrativa. As duas linhas de estudo, a da
filosofia e a da literatura, se desenvolviam paralelamente, sem grande
influência recíproca até a publicação de Hayden White com o livro Metahistória: A imaginação histórica na Europa do século XIX em 1973, marco importante para o chamado “giro linguístico”.
White identifica três dimensões do labor
historiográfico (epistemológica, estética e moral) e explica que, por ser uma
estrutura verbal escrita em prosa, seu conteúdo é essencialmente poético (isto
é, lingüístico). Ele distingue três estratégias de “impressão explicativa”:
explicação por argumentação formal, explicação por elaboração de enredo e
explicação por implicação ideológica. A combinação dessas estratégias constrói
o estilo de escrita do historiador ou do filósofo da história e concretiza o
ato que possibilita o uso de teorias específicas para explicar o passado. Para
validar sua teoria, White examinou os estilos dos historiadores Michelet,
Ranke, Tocqueville e Burckhardt e dos filósofos da história Hegel, Marx,
Nietzsche e Croce.
Tendo esclarecido seus parâmetros de avaliação, o
autor lança algumas “bombas”, heterodoxias que ele reitera ao longo de cada
seção do texto. Para ele o trabalho do historiador é simultaneamente poético, protocientífico
e filosófico e relembra que outros pensadores no século XX também questionaram
a pretensão científica de ser da historia e o caráter fictício das
reconstruções históricas. Logo, não há paradigma para avaliar se um relato é
mais realista que outro. A melhor maneira de avaliar o relato histórico é pelos
fundamentos estéticos (formais) e morais e não os epistemológicos.
Quanto à relação entre história e filosofia da
história, a diferença está na ênfase e não quanto ao conteúdo uma vez que os filósofos
da história exteriorizam o que permanece latente nos historiadores. Por
conseguinte todo trabalho histórico tem uma base meta-histórica e esta
constitui todas as filosofias da história que mantém todo o trabalho do
historiador. Pela semelhança com os filósofos da linguagem, os filósofos da
história foram os mais habilitados para compreender os fundamentos
lingüísticos, porque qualquer pensamento não científico permanece preso ao
mundo lingüístico para expressar-se.
As teses do “giro lingüístico” permaneceram
pouco conhecidas na França entre os historiadores até o fim da década de 1980.
Porém desde 1967, Roland Barthes se questionou
se a narração dos acontecimentos passados diferia da narração imaginária
encontrada nos romances. Do mesmo modo, em 1968, Focoult propôs a análise da
história como um discurso e, em 1971, Paul Veyne observou que a história era
“um romance verdadeiro”, uma narrativa
verídica. As proposições de De Certau (ele definiu a historiografia como “a
combinação de um lugar social, de ‘práticas científicas’ e de uma escrita”)
permaneceram isoladas na historiografia francesa.
Ou seja, todas essas análises não receberam
muita atenção dos historiadores franceses da época. Maior repercursão ao giro
lingüístico na França se iniciou na década de 1980, e proliferou para a de 90, a partir da publicação de
Tempo e Narrativa de Paul Ricceur que
aplicou o “método de White” na análise da obra dos Annales. Entretanto, até hoje Metahistória
não foi traduzido para o francês!
BIBLIOGRAFIA
CARR, David. Time,
Narrative, and History. Bloomington: Indiana University Press, 1991.P.7-8.
DELACROIX, Christian; DOSSE, François & Garcia, Patrick. Correntes históricas na França: séculos XIX e XX. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2012. Pp. 324-326.
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Hayden White: uma crítica construtiva à ‘ciência’ histórica.” Revista Espaço
Acadêmico, junho 2009 Nº 97, pp.43-48.
WHYTE,
Hyden. “Prefácio” e “Introdução: A poética da História”, in: Metahistória: A imaginação histórica na Europa do século XIX. São Paulo: Edusp, 2008.