Talvez pelo fato de ser historiador muito interessado em política, algumas pessoas me perguntam: e aí, vai acontecer um golpe? Outros me indicam textos com previsões pretensamente sensatas, comprovando a impossibilidade de um golpe. Diante disso, resolvi resumir nesse texto o que eu penso que a história política e a observação atenta da atualidade podem nos ensinar sobre o assunto.
1. Qualquer comparação com 1964 deve considerar duas diferenças fundamentais: a força efetiva do anticomunismo como agente catalisador naquela década e a expectativa concreta de que uma revolução estava na ordem do dia. Ou seja: um novo 64 jamais poderia ser um novo 64, teria que ser um outro 64.
2. Mas, a história – ou melhor, a vida política nem por isso nos deixa de mãos vazias. Ela traz algumas pistas, mesmo que sejam frustrantes para quem espera um prognóstico. Por exemplo, lembremos que os “sinais evidentes do golpe de 1964” só se tornaram realmente evidentes depois do golpe consumado. O que havia antes do golpe era atmosfera golpista, impressões vagas, muita discussão e divergência sobre a real força e intenções dos atores envolvidos. E mesmo aqueles que esperavam com mais certeza a iminência de um golpe (que depois seriam chamados de paranoicos, caso o golpe não se desse) não tinham como saber que o golpe se daria tal como se deu.
3. O que a história ensina, portanto, é a inutilidade das previsões – quando o assunto é política, os elementos casuais, contingentes e acidentais têm um peso decisivo. A história está mais para Shakespeare: "A vida é uma fábula contada por um Idiota, cheia de Som e Fúria, Significando - Nada"; do que para Hegel: "o real é racional."
4. O importante, portanto, não é dizer saber se e quando haverá um golpe, e sim observar o eterno retorno do discurso golpista ressentido e tentar medir sua força. Nesse espectro, temos discursos mais claros, inclusive apelando para uma nostalgia com 1964. Outros, mais difusos. Por exemplo, com exigências que só poderiam ser atendidas com medidas com algum grau de força e exceção. Esse discurso permanecerá, se intensificará, envolve ou envolverá grupos sociais com poder suficiente para sustentá-lo? Não sei e não acredito em ninguém que diz saber. Como tampouco ninguém previu a intensidade das manifestações e o momento em que elas aconteceriam e suas motivações.
5. O estado de direito (nomenclatura que prefiro à de democracia nesse momento e vou dizer o motivo depois) não é o resultado final necessário da história, ao contrário do que dizem alguns discursos que naturalizam a ideia de estado de direito como sinônimo de civilização vencedora. Pelo contrário, se alguma coisa tantos que estão lendo o Agamben da moda no momento podem se lembrar é que: a exceção é a regra, e não o contrário.
6. Não podemos desprezar o autoritarismo presente nas práticas e nas tradições políticas brasileiras. Curiosamente, se observarmos os veículos de comunicação mais triunfalistas no discurso de que “a democracia brasileira venceu e está consolidada”, notaremos que eles são os mesmos que diziam a mesma coisa... em plena ditadura.
7. Na minha opinião política: trata-se de menos prognóstico e mais cidadania. E cidadania para além das manifestações. As manifestações são parte importante da vida política, e eu fui a algumas (apenas tomando cuidado de não ir a qualquer uma, organizada por qualquer um via facebook – devo dizer que li coisas no mínimo preocupantes em perfis de alguns organizadores de eventos em facebook e que, aparentemente, passaram a ser considerados líderes políticos porque criaram eventos virtuais). Mas, voltando ao assunto, não se faz uma vida política apenas com marchas e o “povo unido” entoando cânticos. A vida política precisa estar aprofundada no cotidiano, nos fóruns de discussão, na pluralidade das vozes diferentes e no poder efetivo e não meramente teatral da cidadania. Até porque outra coisa pode-se dizer que já se aprendeu a muito tempo e já se esqueceu inúmeras vezes: a distância que separa uma democracia limitada e controlada, como a democracia liberal, de estados de exceção e ditaduras declaradas é muito pequena.
8. Para encerrar, vou construir um cenário alternativo (não para predizer, e sim para abrir uma brecha no tempo fechado dos fatos consumados), a partir de uma história que me foi contada. Numa manifestação alguns provocadores (talvez de extrema direita e usando tática sobejamente conhecida da extrema direita, quem sabe?) jogavam água em policiais. Os policiais não reagiram e alguns manifestantes se colocaram à sua frente, protegendo-os da água. Partindo da constatação de que nossa polícia vândala tem demonstrado novamente os problemas derivados de sua militarização, é possível construir um cenário em que a polícia reagisse. E a violência se alastrasse. E mais pessoas (de classe média) morressem – porque ao que parece a repercussão é menor e aceita com certa indiferença quando morrem pobres. Talvez, um grupo maior de manifestantes resolvesse invadir, de fato, o Congresso. E a violência policial se intensificasse. O fato de não termos um Carlos Lacerda (pelo menos evidente) no horizonte, basta para dizer que uma situação de ruptura não poderia ser instaurada? Inclusive, aposto todas as minhas fichas que é com isso que esses pequenos grupos de extrema direita contam. Mas, para encerrar com outra citação literária: um lance de dados não abolirá o acaso.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013
Relato de Pesquisadora de Historia Antiga
Olá pessoal,
http://cafehistoria.ning.com/page/artigo-exclusivo-egito-made-in-brazil?xg_source=msg_mes_network
no link abaixo um relato muito sincero ( de Thais Rocha da Silva em artigo exclusivo para o Café História) sobre as dificuldades e vantagens ser brasileiro e fazer pesquisa em história antiga ( aqui no caso, egiptologia). Ela fala sobre a ansiedade de aproveitar o material das grandes bibliotecas estrangeiras ( quando se pode ir até elas), dos requisitos necessários (conhecimento das línguas "mortas" para a leitura das "fontes primárias" e das modernas para os comentadores), dos preconceitos na própria universidade etc. Enfim, texto para historiador aprendiz ler com muito gosto!
http://cafehistoria.ning.com/page/artigo-exclusivo-egito-made-in-brazil?xg_source=msg_mes_network
segunda-feira, 10 de dezembro de 2012
Hyden White na França
A relação entre narrativa e história tornou-se
um debate entre os filósofos e historiadores de língua inglesa a partir da
metade da década de 1960 com a publicação simultânea de trabalhos de W. B.
Gallie, Morton White e Arthur Danto. Eles enfatizaram o papel da narrativa no
trabalho dos historiadores e foram muito criticados. O estudo da narrativa na
literatura, evidentemente, já era desenvolvido há muito tempo e autores como
Northrop Frye, Vladimir Propp, Roland Barthes e outros, produziram estudos
significativos sobre a estrutura da narrativa. As duas linhas de estudo, a da
filosofia e a da literatura, se desenvolviam paralelamente, sem grande
influência recíproca até a publicação de Hayden White com o livro Metahistória: A imaginação histórica na Europa do século XIX em 1973, marco importante para o chamado “giro linguístico”.
White identifica três dimensões do labor
historiográfico (epistemológica, estética e moral) e explica que, por ser uma
estrutura verbal escrita em prosa, seu conteúdo é essencialmente poético (isto
é, lingüístico). Ele distingue três estratégias de “impressão explicativa”:
explicação por argumentação formal, explicação por elaboração de enredo e
explicação por implicação ideológica. A combinação dessas estratégias constrói
o estilo de escrita do historiador ou do filósofo da história e concretiza o
ato que possibilita o uso de teorias específicas para explicar o passado. Para
validar sua teoria, White examinou os estilos dos historiadores Michelet,
Ranke, Tocqueville e Burckhardt e dos filósofos da história Hegel, Marx,
Nietzsche e Croce.
Tendo esclarecido seus parâmetros de avaliação, o
autor lança algumas “bombas”, heterodoxias que ele reitera ao longo de cada
seção do texto. Para ele o trabalho do historiador é simultaneamente poético, protocientífico
e filosófico e relembra que outros pensadores no século XX também questionaram
a pretensão científica de ser da historia e o caráter fictício das
reconstruções históricas. Logo, não há paradigma para avaliar se um relato é
mais realista que outro. A melhor maneira de avaliar o relato histórico é pelos
fundamentos estéticos (formais) e morais e não os epistemológicos.
Quanto à relação entre história e filosofia da
história, a diferença está na ênfase e não quanto ao conteúdo uma vez que os filósofos
da história exteriorizam o que permanece latente nos historiadores. Por
conseguinte todo trabalho histórico tem uma base meta-histórica e esta
constitui todas as filosofias da história que mantém todo o trabalho do
historiador. Pela semelhança com os filósofos da linguagem, os filósofos da
história foram os mais habilitados para compreender os fundamentos
lingüísticos, porque qualquer pensamento não científico permanece preso ao
mundo lingüístico para expressar-se.
As teses do “giro lingüístico” permaneceram
pouco conhecidas na França entre os historiadores até o fim da década de 1980.
Porém desde 1967, Roland Barthes se questionou
se a narração dos acontecimentos passados diferia da narração imaginária
encontrada nos romances. Do mesmo modo, em 1968, Focoult propôs a análise da
história como um discurso e, em 1971, Paul Veyne observou que a história era
“um romance verdadeiro”, uma narrativa
verídica. As proposições de De Certau (ele definiu a historiografia como “a
combinação de um lugar social, de ‘práticas científicas’ e de uma escrita”)
permaneceram isoladas na historiografia francesa.
Ou seja, todas essas análises não receberam
muita atenção dos historiadores franceses da época. Maior repercursão ao giro
lingüístico na França se iniciou na década de 1980, e proliferou para a de 90, a partir da publicação de
Tempo e Narrativa de Paul Ricceur que
aplicou o “método de White” na análise da obra dos Annales. Entretanto, até hoje Metahistória
não foi traduzido para o francês!
BIBLIOGRAFIA
CARR, David. Time,
Narrative, and History. Bloomington: Indiana University Press, 1991.P.7-8.
DELACROIX, Christian; DOSSE, François & Garcia, Patrick. Correntes históricas na França: séculos XIX e XX. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2012. Pp. 324-326.
SUTERMEISTER, Paul. “A meta-história de
Hayden White: uma crítica construtiva à ‘ciência’ histórica.” Revista Espaço
Acadêmico, junho 2009 Nº 97, pp.43-48.
WHYTE,
Hyden. “Prefácio” e “Introdução: A poética da História”, in: Metahistória: A imaginação histórica na Europa do século XIX. São Paulo: Edusp, 2008.
sábado, 27 de outubro de 2012
OAB/SP repudia declarações de historiador sobre a atuação de advogados
A OAB/SP divulgou nota pública repudiando declarações feitas pelo historiador Marco Antônio Villa, à TV Cultura, sobre a atuação de advogados. De acordo com o presidente em exercício da seccional paulista, Marcos da Costa, Villa teria insinuado "que há uma espécie de compadrio entre advogados e magistrados".
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"NOTA PÚBLICAA OAB SP repudia, veementemente, as afirmativas do historiador Marco Antônio Villa sobre o papel exercido pelos advogados na defesa dos cidadãos. É inadmissível que um professor tenha uma visão tão distorcida sobre o direito de defesa e o contraditório. Na verdade, as referidas declarações prestam um desserviço ao Estado Democrático de Direito porque ignoram o papel do advogado no tripé da Justiça, insinuando que há uma espécie de compadrio entre advogados e magistrados e, pior, insinuando haver uma “sociedade indireta do advogado com o corrupto”.O advogado exerce múnus público ao assegurar a todos os cidadãos o respeito aos seus direitos e garantias constitucionais, dentro do devido processo legal. As afirmativas desarrazoadas do historiador deixam subentender, até mesmo, que defende a negativa ao direito de defesa de acusados, direito este assegurado pela Constituição Federal a todos, sem exceção, independentemente do delito que lhes seja atribuído, por ser inerente aos regimes democráticos.A visão do historiador confunde a figura do advogado com a de seus clientes. Sem dúvida, a corrupção provoca reações de inconformismo, mas sua imputação não pode excluir do acusado o seu direito à defesa.Tais afirmações denotam, ainda, desconhecimento sobre a missão do advogado que é de pugnar pela defesa dos direitos de seus patrocinados e buscar um julgamento justo, a despeito das acusações que recaiam sobre os mesmos ou da dimensão do clamor público contra os atos que praticaram. O advogado sabe mais do que qualquer outro profissional os males que a intolerância pode acarretar.Certamente, o professor Villa pode - assim como todos devem fazê-lo - criticar e discorrer sobre os prejuízos que a corrupção causa ao país; mas não pode colocar no mesmo patamar os advogados que instrumentalizam a defesa e os acusados desse gravíssimo delito. Durante a Revolução Francesa, os advogados foram banidos para agilizar os julgamentos e levar mais cabeças à guilhotina. No Brasil de hoje, não podemos cogitar sobre tal prática. Vivemos em um Estado Democrático de Direito, onde o exercício da advocacia é pleno e não poder ser vilipendiado.São Paulo, 25 de outubro de 2012.Marcos da CostaPresidente em exercício da OAB SP"
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segunda-feira, 13 de agosto de 2012
sexta-feira, 1 de junho de 2012
As salsichas e a retórica: uma passagem do 18 Brumário
Numa conhecida passagem do 18 Brumário, Marx dizia que "nas lutas históricas deve-se distinguir as frases e as fantasias dos partidos de sua formação real e de seus interesses reais, o conceito que fazem de si do que são na realidade". Vejamos o que ele dizia sobre o papel revolucionário dos agentes do Estado, incluindo os que atuavam nas universidades:
"Esse Poder Executivo, com sua imensa organização burocrática e militar, com sua engenhosa máquina do Estado, abrangendo amplas camadas com um exército de funcionários totalizando meio milhão,além de mais meio milhão de tropas regulares, esse tremendo corpo de parasitas que envolve como uma teia o corpo da sociedade francesa e sufoca todos os seus poros, surgiu ao tempo da monarquia absoluta, com o declínio do sistema feudal, que contribuiu para apressar. Os privilégios senhoriais dos senhores de terras e das cidades transformaram-se em outros tantos atributos do poder do Estado, os dignitários feudais em funcionários pagos e o variegado mapa dos poderes absolutos medievais em conflito entre si, no plano regular de um poder estatal cuja tarefa está dividida e centralizada como em uma fábrica. A primeira Revolução Francesa, em sua tarefa de quebrar todos os poderes independentes - locais, territoriais, urbanos e provinciais - a fim de estabelecer a unificação civil da nação, tinha forçosamente que desenvolver o que a monarquia absoluta começara: a centralização,mas ao mesmo tempo o âmbito, os atributos e os agentes do poder governamental. Napoleão aperfeiçoara essa máquina estatal. A monarquia legitimista e a monarquia de julho nada mais fizeram do que acrescentar maior divisão do trabalho, que crescia na mesma proporção em que a divisão do trabalho dentro da sociedade burguesa criava novos grupos de interesses e, por conseguinte,novo material para a administração do Estado. Todo interesse comum (gemeinsame) era imediatamente cortado da sociedade,contraposto a ela como um interesse superior, geral (allgemeins),retirado da atividade dos próprios membros da sociedade e transformado em objeto da atividade do governo, desde a ponte, o edifício da escola e a propriedade comunal de uma aldeia, até as estradas de ferro, a riqueza nacional e as UNIVERSIDADES da França.Finalmente, em sua luta contra a revolução, a república parlamentar viu-se forçada a consolidar, juntamente com as medidas repressivas, os recursos e a centralização do poder governamental.Todas as revoluções aperfeiçoaram essa máquina, ao invés de destroçá-la. Os partidos que disputavam o poder encaravam aposse dessa imensa estrutura do Estado como o principal espólio do vencedor.
Mas sob a monarquia absoluta, durante a primeira Revolução, sob Napoleão, a burocracia era apenas o meio de preparar o domínio de classe da burguesia. Sob a Restauração, sob Luís Filipe, sob a república parlamentar, era o instrumento da classe dominante, por muito que lutasse por estabelecer seu próprio domínio.
Unicamente sob o segundo Bonaparte o Estado parece tornar-se completamente autônomo. A máquina do Estado consolidou a tal ponto a sua posição em face da sociedade civil que lhe basta ter à frente o chefe da Sociedade de 10 de Dezembro, um aventureiro surgido de fora, glorificado por uma soldadesca embriagada,comprada com aguardente e salsichas e que deve ser constantemente recheada de salsichas. Daí o pusilânime desalento,o sentimento de terrível humilhação e degradação que oprime a França e lhe corta a respiração".
Uma teoria do significado
“Não sei o que quer dizer com ‘glória’”,disse Alice.
Humpty Dumpty sorriu, desdenhoso.“Claro que não sabe… até que eu lhe diga.
Quero dizer ‘é um belo e demolidor argumento para você!’”
“Mas ‘glória’ não significa ‘um belo e de-molidor argumento’”, Alice objetou.
“Quando
eu uso uma palavra”, disse Humpty Dumpty num tom bastante desdenhoso, “ela significa exatamente o que quero que signifique: nem mais nem menos.”
“A questão é”, disse Alice, “se pode fazer as palavras significarem tantas coisas diferentes.”
“A questão”, disse Humpty Dumpty, “é saber quem manda — só isto.”
Do famoso diálogo entre Alice e Humpty Dumpty. Em: Através do espelho e o que Alice encontrou por lá.
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