sexta-feira, 28 de junho de 2013

Golpe, discurso golpista: a inutilidade das previsões, ou: porque perguntar se um golpe é possível é perda de tempo, ou: porque me despedi da futurologia, ou: da diferença entre o porvir como abertura e o futuro previsível do paranoico e do sensato, ou: um lance de dados não abolirá o acaso.

Talvez pelo fato de ser historiador muito interessado em política, algumas pessoas me perguntam: e aí, vai acontecer um golpe? Outros me indicam textos com previsões pretensamente sensatas, comprovando a impossibilidade de um golpe. Diante disso, resolvi resumir nesse texto o que eu penso que a história política e a observação atenta da atualidade podem nos ensinar sobre o assunto.
 1. Qualquer comparação com 1964 deve considerar duas diferenças fundamentais: a força efetiva do anticomunismo como agente catalisador naquela década e a expectativa concreta de que uma revolução estava na ordem do dia. Ou seja: um novo 64 jamais poderia ser um novo 64, teria que ser um outro 64.

 2. Mas, a história – ou melhor, a vida política nem por isso nos deixa de mãos vazias. Ela traz algumas pistas, mesmo que sejam frustrantes para quem espera um prognóstico. Por exemplo, lembremos que os “sinais evidentes do golpe de 1964” só se tornaram realmente evidentes depois do golpe consumado. O que havia antes do golpe era atmosfera golpista, impressões vagas, muita discussão e divergência sobre a real força e intenções dos atores envolvidos. E mesmo aqueles que esperavam com mais certeza a iminência de um golpe (que depois seriam chamados de paranoicos, caso o golpe não se desse) não tinham como saber que o golpe se daria tal como se deu.

 3. O que a história ensina, portanto, é a inutilidade das previsões – quando o assunto é política, os elementos casuais, contingentes e acidentais têm um peso decisivo. A história está mais para Shakespeare: "A vida é uma fábula contada por um Idiota, cheia de Som e Fúria, Significando - Nada"; do que para Hegel: "o real é racional."

 4. O importante, portanto, não é dizer saber se e quando haverá um golpe, e sim observar o eterno retorno do discurso golpista ressentido e tentar medir sua força. Nesse espectro, temos discursos mais claros, inclusive apelando para uma nostalgia com 1964. Outros, mais difusos. Por exemplo, com exigências que só poderiam ser atendidas com medidas com algum grau de força e exceção. Esse discurso permanecerá, se intensificará, envolve ou envolverá grupos sociais com poder suficiente para sustentá-lo? Não sei e não acredito em ninguém que diz saber. Como tampouco ninguém previu a intensidade das manifestações e o momento em que elas aconteceriam e suas motivações.

 5. O estado de direito (nomenclatura que prefiro à de democracia nesse momento e vou dizer o motivo depois) não é o resultado final necessário da história, ao contrário do que dizem alguns discursos que naturalizam a ideia de estado de direito como sinônimo de civilização vencedora. Pelo contrário, se alguma coisa tantos que estão lendo o Agamben da moda no momento podem se lembrar é que: a exceção é a regra, e não o contrário.

 6. Não podemos desprezar o autoritarismo presente nas práticas e nas tradições políticas brasileiras. Curiosamente, se observarmos os veículos de comunicação mais triunfalistas no discurso de que “a democracia brasileira venceu e está consolidada”, notaremos que eles são os mesmos que diziam a mesma coisa... em plena ditadura.

 7. Na minha opinião política: trata-se de menos prognóstico e mais cidadania. E cidadania para além das manifestações. As manifestações são parte importante da vida política, e eu fui a algumas (apenas tomando cuidado de não ir a qualquer uma, organizada por qualquer um via facebook – devo dizer que li coisas no mínimo preocupantes em perfis de alguns organizadores de eventos em facebook e que, aparentemente, passaram a ser considerados líderes políticos porque criaram eventos virtuais). Mas, voltando ao assunto, não se faz uma vida política apenas com marchas e o “povo unido” entoando cânticos. A vida política precisa estar aprofundada no cotidiano, nos fóruns de discussão, na pluralidade das vozes diferentes e no poder efetivo e não meramente teatral da cidadania. Até porque outra coisa pode-se dizer que já se aprendeu a muito tempo e já se esqueceu inúmeras vezes: a distância que separa uma democracia limitada e controlada, como a democracia liberal, de estados de exceção e ditaduras declaradas é muito pequena.

 8. Para encerrar, vou construir um cenário alternativo (não para predizer, e sim para abrir uma brecha no tempo fechado dos fatos consumados), a partir de uma história que me foi contada. Numa manifestação alguns provocadores (talvez de extrema direita e usando tática sobejamente conhecida da extrema direita, quem sabe?) jogavam água em policiais. Os policiais não reagiram e alguns manifestantes se colocaram à sua frente, protegendo-os da água. Partindo da constatação de que nossa polícia vândala tem demonstrado novamente os problemas derivados de sua militarização, é possível construir um cenário em que a polícia reagisse. E a violência se alastrasse. E mais pessoas (de classe média) morressem – porque ao que parece a repercussão é menor e aceita com certa indiferença quando morrem pobres. Talvez, um grupo maior de manifestantes resolvesse invadir, de fato, o Congresso. E a violência policial se intensificasse. O fato de não termos um Carlos Lacerda (pelo menos evidente) no horizonte, basta para dizer que uma situação de ruptura não poderia ser instaurada? Inclusive, aposto todas as minhas fichas que é com isso que esses pequenos grupos de extrema direita contam. Mas, para encerrar com outra citação literária: um lance de dados não abolirá o acaso.

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