sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

O mito da imparcialidade 2

A quem interessa a criminalização da pobreza?
Quem me conhece sabe da minha repulsa pela mídia nacional, logo eu não poderia deixar de me manifestar a respeito da cobertura feita da ocupação das favelas do Rio de Janeiro, Vila Cruzeiro e Complexo do Alemão.

Rio contra o crime, diz a reportagem
Depois da ocupação das favelas do Complexo do Alemão, Renato Machado, do programa Bom Dia Brasil da Rede Globo, anunciava a ‘vitória’ da sociedade, um ‘dia histórico’ da vida dos cariocas. OK. Sem dúvida alguma é um alívio para boa parte dos cariocas saberem que o governo estadual tomou iniciativa quanto à questão do tráfico nos morros. Mas vamos às questões que passam a margem do debate que a televisão como um meio de comunicação de grande alcance poderia oferecer para informar e instruir a população brasileira sobre o que se passa de verdade, o que esse acontecimento significa, quais são suas causas e consequências, enfim, aprofundar as discussões. Não é isso o que se vê. Muito pelo contrário, a opinião que tenho a respeito é de que esses programas tentam desinformar propositalmente a fim de evitar questionamentos quanto a certas atitudes em nome da segurança pública.
Logo de cara podemos estranhar a dicotomia entre bem e mal apresentada. Os traficantes são maus não é mesmo? Nasceram em localidades miseráveis com os mais altos níveis de desemprego e escolaridade do estado do Rio de Janeiro. Seus espelhos de sucesso profissional eram os traficantes que desfilavam com carros importados. Diriam alguns que trabalho de verdade era o do seu pai, pedreiro, pois apesar de ganhar pouco, ganhava honestamente. Na opinião do garoto sem dúvida o pai trabalhava honestamente porque era imbecil covarde demais para tentar algo melhor. Olharia para você e diria inconvenientemente: Para você é fácil ser honesto. O que esse garoto, agora traficante, responderia quando perguntado se ele se considerava mau?

Quantos deles se tornarão traficantes?
Ou um policial do Rio de Janeiro que ganhando 600 reais tem que subir o morro para fazer cumprir a Lei. Esse policial sabe que lá em cima a Lei que ele conhece não vale nada. Essa “Lei” nunca subiu o morro e os favelados tiveram que inventar uma, não seria agora que eles iriam aceitar a nossa. O policial então vê seus amigos comprando apartamentos e carros novos. O que ele reponderia francamente a respeito de honestidade? Ele se consideraria uma pessoa má?
A essa última pergunta talvez o policial até dissesse que sim, mas que isso era irrelevante, pois que ele não tinha opção, pois bondade e mesmo honestidade não desviam balas nem alimentam bocas, que dirá pagar uma escola particular para o filho, comprar uma jóia para a mulher…

Quanto vale a minha vida?
O tráfico não teria prosperado no Rio não fosse a conivência dos policiais. Enquadrar essas pessoas em boas ou más é tão absurdo quanto separá-las em brancos e negros. As definições podem até servir para seus respectivos fins, mas não exprimem de forma alguma a profundidade do tema.
Um estudo do Núcleo de Pesquisa das Violências da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Nupevi-Uerj), em parceria com o Laboratório de Estatística Aplicada da mesma instituição, divulgado no mês passado, apontou que 41,1% das favelas da cidade do Rio de Janeiro estavam sob o controle de grupos milicianos em 2008. Quase metade. Quem é mocinho ou bandido nessa história?

Ainda sem resposta: Quanto vale minha vida?
A mídia, basicamente falando daquela comandada pelos maiores grupos de comunicação como Organizações Globo e Grupo Abril, age de modo perverso, criminalizando a pobreza, dificultando que sua audiência tenha dados suficientes para formar uma opinião melhor construída, contribuindo para a formulação de diagnósticos falsos e premissas escusas e mesquinhas embasadas em seu ridículo conceito binário social.

Finalmente, a comunidade livre
Não podemos deixar de inferir ao final, de que essa conjuntura elaborada pela mídia nativa seja fruto de seus anseios particulares. É mais fácil exterminar os traficantes do que conseguir que seu filho pare de usar drogas. Tá, ok. Ele pode até continuar usando, mas essa droga virá de origem mais confiável pelo menos daqui por diante…

Jovens moradores de bairros nobres do Rio são presos por tráfico de drogas.

Bill, estudante do 7º semestre de História pela Universidade de Brasília.

2 comentários:

  1. Eu adorei os dois textos que falavam sobre a falta de profundidade e a ilusão que as grandes organizações midiáticas estavam inspirando. Queria só ressaltar que existem alguns lados dessa questão que também valem alguma discussão. Que eu me lembre agora, tem a questão da ausência da representação direta dos moradores das favelas na admnistração dos traficantes e das milícias dessas comunidades.

    Isso pode soar um ponto vago e irrelevante em meio a toda a matança que tem ocorrido nas recentes invasões, mas com certeza é um ponto de interesse dos habitantes dessas comunidades em ter uma amdmnistração que respeite a soberania nacional ou uma admnistração arbitrária de líderes locais de cartéis do narcotráfico ou de milícias.

    Afinal, motivadas pelo lucro da organização e dos seus membros, muitas vezes esse último tipo de admnistração toma um aspecto abusivo ante a própria população local. Portanto, esse tipo de argumento que critica a polarização da moral entre esses dois lados da história é certamente inválido, mas com certeza também não é o caso de uma inversão completa de papéis. (não que você tenha dito isso, só um comentário pra ressaltar esse lado da história)

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  2. só pra corrigir, quando eu disse: esse tipo de argumento (...) é certamente inválido, eu errei. Eu queria dizer válido.

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