A outra música escolhida para análise é Dezesseis, lançada no álbum Tempestade, de 1996. Nela é contada a história de João Roberto, “o nosso Johnny”, um adolescente popular que participava de “pegas” – corridas ilegais de automóveis realizadas em vias urbanas –, conquistava corações com seu violão e acabou por encontrar a morte ao colidir seu Opala com um caminhão.
A composição estabelece a trama ao traçar um paralelo cultural Brasília-EUA, um recurso já usado em outra música narrativa do grupo, Faroeste Caboclo. Em Dezesseis, há essa justaposição de elementos particulares com, graças à potência dos meios de comunicação de massa norte-americana, outros globalmente partilhados, aludindo a um só tempo ao cotidiano e lugares de Brasília e ao ambiente do teenager estadunidense da década de 50 do século XX.
O tema que introduz a música, e retorna abrindo as estrofes, logo remete ao rock dançante típico do período, de influência country, chamado rockabilly, tão conhecido na voz de Elvis Presley, ainda que agregue distorção às guitarras, numa atualização da referência. A narrativa, de imageria cinematográfica que põe carros para explodir (Só deu pra ouvir foi aquela explosão/E os pedaços do Opala azul de Johnny pelo chão), provavelmente faz referência a um ator ícone desse momento, James Dean, de apelido Jimmy, que morreu jovem, aos 24 anos, em um acidente automobilístico enquanto ia para uma corrida de carros. Contudo, Johnny não morreu a caminho de Salinas, na Califórnia, como o ator de Juventude Transviada. Não, ele morreu a caminho da Curva do Diabo em Sobradinho. Seu carro não era um Porsche 550, era um Opala metálico azul.
Vários outros signos remetem a uma ambiência na capital federal (Era o rei dos pegas na Asa Sul [...] Não vai ser no CASEB, nem no Lago Norte, nem na UnB), em meio a citações de grandes ídolos do rock (Sabia tudo da Janis, do Led Zeppelin, dos Beatles e dos Rolling Stones), compartilhando da valorização do carro e da velocidade típica dos teenagers (As máquinas prontas, o ronco de motor). A canção comporta ainda uma intertextualidade com uma música dos Beatles (Strawberry Fields Forever).
Desse modo, a história constrói uma representação, um espaço fictício que é simultaneamente o próximo e o longínquo. Assim, localizamos a juventude brasiliense e a juventude teenager dos anos 50 em Dezesseis, mas subjaz uma condição fictícia simbólica que comunica de forma mais ampla, o que talvez explique o sucesso dessa canção com pessoas de outras cidades e regiões, desinformadas do cotidiano brasiliense, bem como com aquelas desinformadas dos grandes ícones estadunidenses da metade do século XX.
Tendo estabelecido a representação da juventude feita nessa canção como o embaralhar de signos característicos do globalmente compartilhado e do particular, pode-se comparar com a representação do jovem em Geração Coca-Cola. Abandonando as preocupações sócio-políticas, o jovem de Dezesseis imiscui-se com a idéia de juventude transviada, acusada de alienada, que freqüenta o ambiente escolar da high school, para quem há a importância da popularidade e atrativos exteriores, também dos automóveis como símbolo de uma liberdade e uma agressividade que, por sua vez, é diferente da agressividade do adolescente que vai satirizar e revidar a dominação imperialista, na outra música. Ambas, contudo, remetem a uma construção marcadamente urbana da juventude.
Outra diferença talvez remeta à forma que a letra foi escrita. Enquanto uma delas fala em primeira pessoa em nome de toda uma juventude – pós-utópica, industrializada e revoltada –, a outra conta uma história que, ao final das contas, versa sobre o amor. “Tudo por causa de um coração partido”, canta o narrador.
Uma questão presente aí é a representação do comportamento nos relacionamentos e da sexualidade. Johnny, o protagonista que “conquistava as meninas e quem mais quisesse ver”, é a figura sexualizada do teenager desejado, sensual, andrógino. Acontece, contudo, de apaixonar-se e frustrar-se. Não fosse por isso talvez imaginássemos que, seguindo o going steady, casasse cedo com a pessoa por quem nutre o amor intenso que acaba por lhe trazer a morte.
Por tudo isso, tem-se em Dezesseis uma representação da juventude enquanto grupo social particular em meio à sociedade, sendo a ele que o diretor se dirige, tentando restituir seus integrantes aos valores dominantes da sociedade (Que isso sirva de aviso pra vocês), justamente porque partilham de outros valores e de outras práticas, suficientemente divergentes para formar uma subcultura urbana. A formulação do jovem em Dezesseis traça paralelos entre essa subcultura – esse grupo social que são os jovens – de Brasília e aquele representado no cinema, na música e outros meios de comunicação, a partir dos anos 50 nos Estados Unidos, que, acaba tendo ressonâncias na imagem do jovem em toda cultura ocidental.
Amanda Camylla e Thiago Dornelles são alunos do sexto semestre de História na UnB
muito interessante a pesquisa, parabens.
ResponderExcluiradorei a pesquisa... nota 9
ResponderExcluirRenato Russo, grande poeta, clássico muito bom
ResponderExcluiragnarruk tukuk mutualek! Magdul magdul utzir jethbaal. Ma culelek tupakamaru. Vultur undzir ut ürruck. Nab uko donossorpe reirah! Nuvuck tukul! Namastè prohss eish!
ResponderExcluirMuito bom o texto. Gostei do paralelo que vocês fizeram entre a juventude de Brasília e a americana da década de 50.
ResponderExcluirSempre perguntava às pessoas mais velhos aonde ficava a "curva do diabo" pois tinha curiosidade de conhecer, mas na minha cidade Sobradinho não tem "curva do diabo"! Parabéns colegas da UnB, tiraram uma duvida enorme!
ResponderExcluirQual o tema da musica ?
ResponderExcluirmortes
ExcluirSempre fiquei imaginando o James dean como o johnny mas nunca tinha parado pra pesquisar haha ótima pesquisa
ResponderExcluirSou da época dos pegas em Sobradinho, inclusive participei de vários, acredito que a ¨(curva do diabo)¨mencionada na musica DEZESSEIS do Legião Urbana faz referencia a ¨curva do ¨O¨ ( um gigantesco balão ou rotatória )que existe até os dias de hoje e fica na saída de Sobradinho para Planaltina próximo ao estádio e que na época era rodeada de eucaliptos e era o encontro de rachas e onde sempre houve muitos acidentes.
ResponderExcluirHá alguns anos todos os eucaliptos foram retirados mas a curva do ¨O¨continua lá até hoje.
Nesse local há mais ou menos 40 anos atrás aconteciam rachas históricos e com muitos acidentes.
Mto bacana essa sua fala. Vc teria fotos desse local ou dos rachas?
Excluir-15.649914, -47.784920
ExcluirRealmente existia muitos eucaliptos mesmo. Até 1989 eles existiam. Acho que retiraram porque mesmo sem fazer rachas, acontecia muitos acidentes.
Excluirhttps://deglutindopensamentos.wordpress.com/2013/06/21/jovem-morre-apos-racha-em-sobradinho/
ResponderExcluirQualquer semelhança com Legião Urbana não é mera coincidência.
Jovem morre após racha em Sobradinho
Jovem de 16 anos dirigia em alta velocidade quando colidiu com caminhão
Brasília
Mike Conradt
Na madrugada da última sexta-feira (20), um adolescente de 16 anos morreu após colidir um Opala azul contra um caminhão ao contornar o famoso “O”, na Avenida Central, em Brasília. J.R.M disputava um racha com outros dois adolescentes na região conhecida como “Curva do Diabo”, em Sobradinho, quando sofreu o acidente. O caminhoneiro sofreu apenas ferimentos leves.
Segundo o motorista do caminhão, Pablo Hernandez, de 56 anos, o Opala se aproximou em alta velocidade e tentou a ultrapassagem quando o jovem perdeu o controle do veículo e se chocou contra a carreta. “Foi estranho, eu enxerguei o Opala pelo retrovisor e mudei de pista. Deixei três faixas livres para ele. Mesmo assim ele veio para cima da carreta”, informou Hernandez.
Colegas do adolescente, que estudava no tradicional Colégio Dom Bosco, revelaram que ele tinha terminado um relacionamento há pouco e andava estranho nos dias que antecederam a sua morte. A mãe de J.R.M, Mônica Manfredini, lamentou a morte do jovem, mas afirmou não acreditar na hipótese de suicídio. “Meu filho era um rapaz cheio de sonhos, com uma vida inteira pela frente. Ele não cometeu suicídio”, garantiu.
A mãe ainda pediu, em meio a prantos, que a Polícia Militar amplie os patrulhamentos realizados na região central de Brasília para evitar que episódios como o desta madrugada se repitam. A polícia, entretanto, afirmou que a disputa de rachas entre os jovens de Brasília e dos municípios satélites, apesar de ilegal, é comum na região. O Capitão Jeremias prometeu reforçar a fiscalização. “Vamos redobrar as patrulhas pela região coibir esse tipo de atividade ilícita”, concluiu.
Parabéns pela alusão fictícia ao acidente do Johnny, boa.
ExcluirNa real, "...ele andava inquieto demais, só que quase ninguém percebeu...". O Johnny cometeu suicídio.
E quantos jovens ainda...e quantos "Jhonnys" ainda...
Realmente "... Precisamos conversar sobre o Kevin..."
Gostei do comentário mesmo triste
ResponderExcluirMas poderia explicar melhor já que o sobrenome da mãe citada é o do Renato?
ResponderExcluirEsse Jonny não devia de passar de um filhinho de papai, de classe média, que não tinha limites, a começar por ele dirigir aos 16anos e pior, fazendo pega.
ResponderExcluirMorreu por causa de sua imprudência.
Que bosta de analise
ResponderExcluirEu estava com uma teoria.... que a letra era sobre o baixista da banda da Cássia Eller, com quem ela teve um filho (o Chicão) e que morreu uma semana antes do filho deles nascer. Eu pensei que poderia estar falando sobre ele, porque além de ele ter morrido por acidente de carro..o Renato também havia escrito uma música pra Cássia - que entrou no cd de 1994 - que é a música 1° de Julho. E aí o Renato/ da legião urbana.. publicou essa música Dezesseis em 1996... pra mim a inspiração foi o baixista pai do chicão e também esse cara de Brasília.. da notícia. Ou somente o baixista. (:
ResponderExcluirExistia um forte movimento de rachas em Brasília nos anos 80, Renato Rocha mesmo gostava de rachas. O carro era uma ferramenta de diversão, conheci algumas pessoas que amavam esse movimento.
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