quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Evento (Acontecimento) /Fato Histórico

O presente verbete tentará trabalhar com esses conceitos, sobretudo visando diferenciá-los em dois sentidos. O primeiro, acontecimento (ou evento) enquanto algo passado do qual tomamos conhecimento de sua existência por meio de testemunhos e indícios. Acontecimento (ou evento). O segundo (fato), enquanto algo enunciado a respeito desse acontecimento, que visa representá-lo.


Quando se pergunta a alguém a respeito de algum evento do qual não se estava presente, seja qual for: um seminário, uma aula, um festival pode-se obter sempre várias respostas: foi bom, foi assim, foi assado, aconteceu isso e aquilo. A não ser que nossa testemunha de muita má fé minta, teremos um fato desse evento, que por sua vez não coincide com o seminário, festival ou aula como um todo. Mais ainda, o que cada um nos diz a respeito desse acontecimento não se estabelece sozinho.


Quando se quer criar uma narrativa daquilo que se passou, é preciso estabelecer um significado entre as diversas partes que compõem aquilo que se passou, ou melhor, a narrativa já cria esse significado. Assim, se alguém nos diz que o professor contou uma piada na sala de aula (um fato da aula) e nos conta essa piada, ela por si só será no máximo engraçada e nada mais (será uma piada, mas não um fato). Mas se ligamos essa piada a outros fatos que tivemos notícia, o que o professor estava falando anteriormente, um comentário de um aluno, algum aviso indesejado, se estava quente ou frio... Pode ser que essa piada nos diga algo sobre essa aula, ou sobre as pessoas dessa aula.


“O acontecimento, em seu sentido mais primitivo, é aquilo sobre o que alguém dá testemunho. É o emblema de todas as coisas passadas (praeterita). Mas o dito do dizer do testemunho é um fato que...” aconteceu (Paul Ricouer, pág. 190), como diz anteriormente o autor.


O historiador realiza uma operação similar à de uma pessoa que pergunta as outras como foi o evento que perdeu. Quando o historiador está analisando uma pilha de documentos à sua frente, nada mais faz do que, de certa forma, dialogar com esses documentos. A diferença é que não é um dialogo com o enunciador do fato, mas um interrogatório com a sua mensagem. E sua pergunta não é qualquer pergunta, mas uma pergunta preparada, armada com um conhecimento de suas fontes e de seu assunto.


O historiador busca nas suas fontes provar um fato (que aconteceu) por meio de perguntas. Caso consiga, suas fontes se tornam documentos que provam tal fato. Paralelamente a isso, ele escreve uma obra que visa criar uma representação de todos os seus possíveis acertos (lembrando aquela metáfora do historiador como um profeta do passado), uma história.


O fato é assim o pressuposto do gênero histórico, ou seja, sem esse compromisso com a realidade ele não existiria, seria apenas literatura, e não precisaríamos de um nome para distinguir os dois gêneros (isso caso se enxergue o discurso histórico de forma romanesca, como faz Paul Veyne) . Rastro, documento e pergunta, esse é o tripé que sustenta o conhecimento histórico.


Resta que os Acontecimentos não são mais tão sólidos como estamos cotidianamente acostumados a ver. Eles se enquadram como políticos, econômicos, sociais, culturais... apenas como classificações que lhes damos, como didática. As Cruzadas seriam acontecimentos mais políticos, mais religiosos, ou econômicos? Essa pergunta simplesmente não tem embasamento. Revolução Francesa, Guerra Fria, Batalha de Waterloo, Reforma Protestante, Copa do Mundo de 2010. São nomes que damos a interações entre homens e coisas no tempo e espaço.


O acontecimento Copa do Mundo 2010 se refere às partidas entre as seleções, aos investimentos realizados na África do Sul, ao movimento de pessoas? Há uma questão de poder por trás desse evento “esportivo”, ou ele apenas é levado a serio demais? Ele é um acontecimento que está acontecendo apenas nas cidades dos jogos, ou Copa do Mundo 2010 que é apenas um nome geral para uma pluralidade de acontecimentos que possuem alguma ligação entre si?


“Em resumo, parece que na história só existe um único geometral autêntico: é a História, a história no seu todo, a totalidade de tudo que passa. Mas esse geometral não é para nós; somente Deus, se é que ele existe, que vê uma pirâmide sob todos os seus ângulos ao mesmo tempo, pode contemplar a História “como uma mesma cidade vista de diferentes lados”(assim se exprime a Monadologia). Existem, pelo contrário, pequenos geometrais que o próprio Deus não contempla porque só existem em palavras: o potlatch, a Revolução Francesa, a Guerra de 1914... Falar de geometral é tomar uma visão parcial (e todas o são) por um ponto de vista sobre uma totalidade. Ora, os “acontecimentos” não são totalidades, mas núcleos de relações: as únicas totalidades são as palavras “guerra” ou “dom”, às quais se empresta livremente uma amplitude mais plena ou mais limitada”(Paul Veyne, pág. 47).


Referências bibliográficas:

Ricoeur, Paul. A memória, a história, o esquecimento [2000]. Campinas: Editora Unicamp, 2007.

VEYNE, Paul. Como se escreve a historia; foucault revoluciona a historia. 4. ed. Brasilia: Editora Universidade de Brasília, 1998. 285 p (Na BCE: 930.1 V595c =690 4. Ed.)

BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Rio de janeiro: J Zahar, c2002. 159 p. (Na BCE: 930 B651a =690)

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2006. 366 p. (Na BCE: 930.1 K86v =690

2 comentários:

  1. Olá Alexandre, estava ministrando aula certa feita em um colégio privado aqui em salvador ,quando um estudante endagou:"prof como podemos dizer ou selecionar os fatos mais importantes para a história e como fazer isso? o que seria mais ou menos importante? essa endagação por mais que tentemos fundamentá-la nos persegue dado a complexidade do tema.

    ResponderExcluir
  2. Gostaria saber a diferença entre facto e acontecimento histórico.

    ResponderExcluir