sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Bandeira branca

Sempre que aparece um pano branco um repórter da Globonews explica logo o significado: seria um pedido de paz. Eles também dizem que a população local está recebendo com alegria os tanques de guerra. Pode ser, é dificil nos localizarmos no mar de mentiras que nos cerca. Não sei se eu estivesse no lugar dessas pesssoas se eu estaria aliviado ou simplesmente em pânico. A bandeira branca simboliza paz, é senso comum. Mas, trata-se de um tipo específico de paz: a trégua.

Não se refere à paz num sentido abstrato. Esse tipo de pedido de paz mais genérico parece ser mais comum em certas passeatas de protesto contra a violência, também encarada de modo genérico. A bandeira branca é internacionalmente reconhecida como pedido de CESSAR FOGO. Um pedido que parte de quem está em posição de inferioridade num confronto. É sinal de rendição. E todos sabem outra coisa: é crime de guerra atirar numa pessoa que porta uma bandeira branca.

Ou seja: além de um pedido genérico de paz, a bandeira branca pode significar: por favor, não atire em mim.

Numa rápida pesquisa na internet, não encontrei nada melhor do que isso aqui, sobre a história do uso da bandeira branca. Não estou endossando a reconstrução histórica apresentada. Uma pesquisa mais cuidadosa teria que ser feita nesse sentido. De qualquer modo, o pouco que é dito já permite alguma reflexão.

domingo, 21 de novembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

Um historiador não pode se omitir diante de certas coisas

Quem é meu aluno sabe que evito discorrer em aula sobre minhas escolhas político-eleitorais. Não que eu pretenda ser um professor neutro e sim porque acredito que o professor deve incentivar os alunos a fazerem, eles mesmos, suas escolhas (isso também vale para questões teóricas e filosóficas). A tarefa do professor não é convencer o aluno de nada.
Num caso como o desta matéria que saiu no Globo (sobre documentos produzidos na ditadura sobre a Dilma Rousseff), existem mais coisas em jogo do que opções eleitorais e posições políticas. É bom lembrar que regimes políticos de esquerda também torturaram, e muito. Não estamos aqui diante da chatíssima polaridade entre tucanos e petistas. A questão é de humanidade. Um historiador pode ser de esquerda, de direita, conservador e apolítico. Mas, no meu ponto de vista, um historiador deve ter um compromisso ético com a humanidade. Por isso, vou comentar alguns trechos da matéria que me pareceram particularmente assustadores. Isso vale também como exercício de leitura crítica.

1. "história do processo movido pela ditadura militar contra a presidente eleita Dilma Rousseff descrevem a ex-militante como uma figura de expressão nos grupos em que atuou, que chefiou greves e "assessorou assaltos a bancos", e nunca se arr...ependeu." Nunca se arrependeu: isso merece reflexão. Arrependimento é questão de consciência, quem solicita esse tipo de conversão é o confessor. Isso nunca pode ocorrer num tribunal. A Justiça pesa atos e responsabilidades, só numa lógica de tipo fascista um Juiz pode pretender dominar a consciência, a subjetividade do réu. Se a frase consta dos documentos, mostra-se o fascismo da situação ditatorial. Se for do jornal mesmo, mostra o fascismo da situação. Mostra o fascismo da situação, enfim. Essa confusão também é reveladora, porque mesmo que com alegada imparcialidade, a estrutura de um texto jornalístico revela seus pressupostos ideológicos. No caso, a voz narrativa da matéria se confunde, algumas vezes, com a dos torturadores.

2. "Na denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar contra os integrantes do grupo de esquerda VAR-Palmares, Dilma é chamada de "Joana D'Arc da subversão". "É figura feminina de expressão tristemente notável", escreveu o procurador resp...onsável pela denúncia." Eu já tinha notado, em outros poucos documentos da ditadura que li, essa mistura grotesca de erudição e violência. Os caras se divertiam inventando referências histórico-poéticas. Joana darc da subversão. O jornal partilha o mesmo gosto duvidoso pelo grotesco. Isso mostra, como comentei algumas vezes na aula, que erudição não é sinônimo de ética.

3. ‎"Os arquivos trazem ainda cópia do depoimento que Dilma prestou em 1970 ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), delegacia em que ela ficou presa e foi torturada. No interrogatório realizado no dia 26 de fevereiro daquele ano, Di...lma, sob intensa tortura, segundo o depoimento, listou nomes de companheiros, indicou locais de reuniões, e admitiu que uma das organizações da qual fazia parte, o Colina, fez pelo menos três assaltos a banco e um atentado a bomba. Mas ressalvou que nem ela nem o então marido, Cláudio Galeno de Magalhães Linhares, tiveram "participação ativa" nas ações. " Aqui muita coisa pode ser dita. Em primeiro lugar, a própria estrutura do texto: o estatuto de verdade dos arquivos: a voz do documento se confunde com a voz de quem escreveu essa coisa. Depois, ao contrário, as expressões de dúvida, as aspas, recurso muito usado em jornalismo pra criar desconfiança no que uma pessoa diz. É só comparar: o documento DESCREVE no primeiro parágrafo. O depoimento de Dilma foi obtido sob intensa tortura, SEGUNDO o que ela diz. Imaginemos duas frases diferentes e comparemos seus efeitos de verdade: "Dilma foi torturada"; "Dilma foi torturada - é o que ela diz". Outra coisa é a delação: imagino que quem escreveu a matéria, como eu, nunca foi torturado. Mas conhecemos a dor. Então, com um pouco de imaginação é possível entender como uma pessoa fica destruída durante a tortura. A delação, aliás, é parte da tortura. Porque, e isso, acreditem, já li muito sobre terrorismo de Estado e repressão política, também em regimes de esquerda: nenhum torturador acredita que a delação obtida na tortura é confiável. Ele sabe que, sob tortura, uma pessoa pode dizer qualquer coisa pra se livrar do suplício. No máximo, a delação serve para confirmar uma suspeita. Mas, principalmente, a delação cria na pessoa um tormento incrível: ela se sente depois culpada, traidora. Não consegue mais olhar os antigos amigos etc. Em segundo lugar, temos o cinismo: porque com a delação a responsabilidade pela repressão é transferida. É o delator que passa a ser considerado o culpado da tortura e do desparecimento da pessoa, e não o Estado. É muito cinismo. Neste caso, o Globo simplesmente continua o processo de tortura contra Dilma. Não interessa a opinião que voce tenha sobre ela, contra ou a favor, mas nesse caso não dá para escapar disso. O Globo se tornou um jornal que pratica Tortura Psicológica.

4. "Num relatório sobre guerrilheiros da VAR-Palmares, o delegado Newton Fernandes, da Polícia Civil de São Paulo, traça um perfil de 12 linhas sobre Dilma. Segundo ele, ela era "uma das molas mestras e um dos cérebros dos esquemas revolucion...ários postos em prática pelas esquerdas radicais". O delegado diz que a petista pertencia ao "Comando Geral da Colina" e era "coordenadora dos Setores Operário e Estudantil da VAR-Palmares de São Paulo, como também do Setor de Operações"." O Globo usa aqui o título de "petista". Uma escorregadela, não sei se proposital mas reveladora. Ela não é petista? Sim, mas não era petista na ocasião do processo e da tortura. Não há cuidado histórico aqui. Vamos prestar atenção no texto: "o delegado diz que a petista pertencia ao Comando etc". O delegado não pode ter dito que a petista etc, quem diz que a petista etc é o Globo. Aqui a mistura dos tempos (passado e presente) e de vozes (o delegado e o jornalista) mostra, de novo, coom a voz do Globo se confunde com a voz do delegado. E como o alvo do Globo não é informar o leitor etc, como o jornal pode candidamente alegar, e sim atingir a "petista". O texto é de propaganda política.

5. Há um elogio à inteligência da Dilma, feito pelos documentos da repressão. Mas, numa situação como essa, a inteligência NÃO é uma virtude. Os repressores costumam exaltar a inteligência dos subversivos, não porque isso os torna melhores e sim porque os torna MAIS PERIGOSOS. Depois dessa passagem vem a resposta da Dilma ao senador Agrippino Maia. O jornal não se posiciona sobre o assunto. Deixa a Dilma se defender sozinha e questionar a tortura. Mas, o torturador já avisou antes: cuidado, ela é inflexível e muito inteligente.

6. Um adendo que está longe de ser detalhe. No Brasil ainda hoje se pratica tortura. Pode ser que não tortura com fins políticos. Mas tortura, execução sumária, esse tipo de prática ainda é recorrente no nosso país.

7. Outro: o governo Lula foi ambíguo e mesmo covarde diante da questão da ditadura militar. Não me refiro à memória ou coisa assim, e sim à questao da justiça. Honestino Guimarães, um ex-aluno da UnB, por exemplo, tem data e documento oficial reconhecendo sua morte. Mas, ainda é um desaparecido político. Conheço sua mãe, Maria Rosa, ela até hoje não sabe onde, quando, em que ano, sob que circunstâncias o seu filho foi assassinado pelo Estado. Isso pode ser estratégia política, mas é uma forma de cumplicidade.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

V Seminário Internacional do PEJ



V Seminário Internacional

" Historiografia e Literatura Apocalíptica no séc.I d.C:
Aspectos da Literatura Judaica no Mediterrâneo entre Leituras do Passados e Historiografia do Futuro"

24,25,26 de Novembro
Auditório do IH

Conferências (24-26/11 - sempre às 18h):
Prof.Dra. Zuleika Rodgers - Trinity College, Dublin - Irlanda


Inscrições Gratuitas
Dpto. de História com Leila ou no PPGHIS com Kezia

maiores informações:
http://www.pej-unb.org/events_int_unb_2010_br.htm






quinta-feira, 18 de novembro de 2010

THE PARTISAN - Leonard Cohen (letra e vídeo)

THE PARTISAN - Leonard Cohen (letra e vídeo)

No prefácio ao livro Entre o Passado e o Futuro, Hannah Arendt fala sobre o "tesouro perdido" da liberdade e da ação política, a partir dos relatos e memórias dos participantes da Resistência Francesa. O "tesouro perdido" seria a experiência intensa e efêmera da liberdade e da amizade políticas, num mundo contemporâneo que tenderia a abolir esse tipo de situação, tendo em vista o predomínio do consumismo, da futilidade e da violência. Essa música de Leonard Cohen, poeta e músico canadense, também fala deste tesouro. Seu tom é o de uma elegia,há um clima de lamentação pelas perdas, mas acompanhado de uma intensa sensação de solidariedade. Não somente a letra, mas a música e o arranjo transmitem essa tonalidade de melancolia e dignidade.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O lenço dos namorados


“Este é o lenço

Este é o lenço de Marília,
pelas suas mãos lavrado,
nem a ouro nem a prata,
somente a ponto cruzado.
Este é o lenço de Marília
para o Amado.

Em cada ponta, um raminho,
preso num laço encarnado;
no meio, um cesto de flores,
por dois pombos transportado.
Não flores de amor-perfeito,
mas de malogrado!

Este é o lenço de Marília:
bem vereis que está manchado:
será do tempo perdido?
será do tempo passado?
Pela ferrugem das horas?
ou por molhado
em águas de algum arroio
singularmente salgado?

Finos azuis e vermelhos
do largo lenço quadrado,
- quem pintou nuvens tão negras
neste pano delicado,
sem dó de flores e de asas
nem do seu recado?

Este é o lenço de Marília,
por vento de amor mandado.
Para viver de suspiros
foi pela sorte fadado:
breves suspiros de amante,
- longos, de degredado!

Este é o lenço de Marília
nele vereis retratado
o destino dos amores
por um lenço atravessado:
que o lenço para os adeuses
e o pranto foi inventado.

Olhai os ramos de flores
de cada lado!
E os tristes pombos, no meio,
com o seu cestinho parado
sobre o tempo, sobre as nuvens
do mau fado!

Onde está Marília, a bela?
E Dirceu, com a lira e o gado?

As altas montanhas duras,
letra a letra, têm contado,
sua história aos ternos rios,
que em ouro a têm soletrado...

E as fontes de longe miram
as janelas do sobrado.

Este é o lenço de Marília
para o Amado.

Eis o que resta dos sonhos:
um lenço deixado.

Pombos e flores, presentes.
Mas o resto, arrebatado.

Caiu a folha das árvores,
muita chuva tem gastado
pedras onde houvera lágrimas.
Tudo está mudado.

Este é o lenço de Marília
como foi bordado.
Só nuvens, só muitas nuvens
vêm pousando, têm pousado
entre os desenhos tão finos
de azul e encarnado.
Conta já século e meio
de guardado.

Que amores como este lenço
têm durado,
se este mesmo está durando
mais que o amor representado?”

Cecília Meirelles
(1901-1964)

Este poema de Cecília Meireles não está no Romanceiro da Inconfidência. Mas nele aparecem dois personagens que fazem parte da memória da Inconfidência: o poeta exilado Tomás Antonio Gonzaga e Maria Doroteia, sua noiva: a conhecida história da separação entre os dois. No poema, não se trata de uma descrição do passado, mas da reflexão de alguém que observa um vestígio (o lenço, provavelmente inspirado na tradição do “lenço dos namorados”) e mergulha na memória pela via do sentimento da nostalgia, da perda, do amor não realizado. O poema não abole, preserva a distância entre presente e passado. Mas, ao mesmo tempo, faz um curto-circuito entre os tempos porque, ainda que extremamente reflexiva (notem-se os pontos de interrogação), a poeta compartilha as emoções de Marília. Emoções depositadas no vestígio, porque o lenço não seria apenas um documento sobre o passado, mas um objeto carregado de sensações. Mais especificamente, a sensação (universal?) da finitude. Outro poema, o de abertura do Romanceiro da Inconfidência, tem alguns versos sobre a relação especial entre a poeta e o passado. Ali, ela diz ser capaz de ouvir as flores, o vento, a voz das ruínas. Neles, a memória estaria presente, não como “representação coletiva” ou “faculdade psíquica” e sim como Musa, voz inspiradora. Uma relação imediata com os vestígios, o passado presente por meio de evocações sensíveis e sensoriais. Estamos no terreno do mito. Não da mentira, porque o mito não cabe nas distinções do verdadeiro e do falso. Definitivamente, este é um terreno vedado àqueles que precisam de metodologia para discorrer sobre a dor dos séculos passados e do presente.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A história e a superficialidade do google

1. Este breve comentário é inspirado no livro de Vilem Flusser: O Universo das Imagens Técnicas. O elogio da superficialidade.

2. Mais pra frente, porei aos poucos um ensaio mais "sério" sobre a relação entre internet e ensino, baseado num texto que apresentei na ANPUH-DF. Por hoje, quero ser supericial. Coisa que raramente a Academia permite.

3. O google é um leitor superficial."Ele" não quer saber se as coisas que escrevemos fazem sentido. Como diria Vilem Flusser, o google jamais seria um filósofo existencialista. Ele desliza sobre a superfície das palavras, não interpreta.
Isso pode,muitas vezes,dar um ar de estupidez ao jeito google de ler. Porque o google aceita praticamente tudo o que "mandamos" que ele pesquise. O google sempre vai encontrar relações entre os termos mais disparatados. E não se preocupa, por exemplo, se "emo" é um termo atual que designa um estilo de juventude ou se "emo" é terminação algo arcaica de um modo verbal ("lamentarmo-no-emos"). Os historiadores tendem a rejeitar esse método superficial de leitura, porque preferem acreditar na profundidade do tempo e da linguagem. Mas, por outro lado, boa parte da cultura e da arte contemporâneas aceitam e, mais, fazem o elogio da superficialidade: porque ela teria maior potencial de criação do que o artista romântico preso ao seu ego e porque ela seria mais libertária ao implodir a idéia de que alguns signos são mais fundamentais (ou profundos) do que outros.

4. Sobre o assunto do aproveitamento da superficialidade na poesia contemporânea, consultar, por exemplo: Marjorie Perloff. A escada de Wittgenstein.

5. Vou deixar aqui alguns exemplos do que o google é capaz de fazer em termos de "pesquisa histórica". Claro que é somente uma brincadeira, um jogo superficial. Em alguns momentos, podemos rir. Em outros, achar a piada sem graça. Em outros, ficarmos surpresos com a acuidade desse programa geralmente tratado como o próprio símbolo da decadência cultural contemporânea. O jogo que fiz é simples, baseia-se no fato de que, geralmente, quando colocamos a expressão "da história" no google, surge uma "linha do tempo", uma cronologia.

Os acontecimentos mais "nada a ver" da história

Os grandes "puxa-sacos" da história

os grandes emos da história


os maiores "ele vive no mundo da lua" da história


e pra encerrar, aproveitando a metáfora marxista da "luta de classes como motor
da história: torque no motor da história

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Nuvem de Palavras: A Era do Extremo




No site www.wordle.net, você pode transformar um texto numa "nuvem de palavras". Você pode escolhar a fonte, o layout, as cores. As palavras que mais aparecem no texto ganham maior destaque. Pus A Era dos Extremos do Eric Hobsbawm e este foi o resultado. Uma condensação narrativa de um livro que o próprio autor apresenta mais como memórias do que uma história do século XX.