segunda-feira, 4 de julho de 2011

Comentários acerca da matéria da Veja sobre a UnB

Caros alunos e leitores deste blog, dessa vez vou abrir nosso espaço para uma discussão um tanto desagradável. Diante da evidente vulgaridade da Revista Veja, melhor seria ignorá-la. Mas, neste caso, acredito que precisamos pensar um pouco sobre o conteúdo de uma de suas matérias sensacionalistas e superficiais. Refiro-me ao texto intitulado “Madraçal* no Planalto”, que saiu no número desta semana. Vou comentar alguns pontos da matéria, mais relacionados ao tema dos usos do passado:

1. Em primeiro lugar, o texto começa com referências laudatórias e nostálgicas com relação ao passado de lutas da UnB contra a ditadura. Isso é mera figura de retórica: a exaltação de um passado que não incomoda mais justamente por ser passado, em nome da desqualificação do presente. Isso é recorrente na tradição política. Pode ser resumido com aqueles versos de Aldir Blanc: “não se fazem mais moinhos como os de antigamente!” É um tipo de argumento que visa enaltecer uma figura para, por contraste, rebaixar outra. A mesma revista que, em outras matérias, vem dizendo que quem lutou contra a ditadura era “terrorista”, agora recorre à imagem da “luta democrática”. Aliás, essa própria figura de retórica é mentirosa: houve muita resistência na UnB contra a ditadura, mas a história da UnB não se confunde com a da resistência. Precisamos nos lembrar de que também houve muita colaboração. Isso em nome de uma visão política menos maniqueísta e manipulável pelo esvaziamento do passado promovido por interesses não muito claros.
2. Por outro lado, se juntarmos a citada matéria a outra que saiu recentemente sobre a maconha, veremos que parece existir uma coincidência de notícias difamatórias sobre a universidade. A difamação é baseada em estereótipos: estudantes maconheiros e/ou subversivos. A velha imagem da imoralidade estudantil, somada ao anticomunismo (e, veja!, a Guerra Fria acabou!) – agora também sobreposta à discussão sobre a questão racial. Estereótipos não compõem argumentos, são meras acusações, agressões baseadas na adjetivação. Esta é uma das marcas do discurso autoritário. Ele ignora as diferenças, é vulgar e maniqueísta. Portanto, se algo na matéria da revista Veja nos leva a pensar na ditadura, não é a alusão explícita usada no início do texto, mas a forma autoritária da exposição.
3. O texto traz muitas acusações de perseguição a professores. As acusações são muito graves. Mas, como não participo de nenhum grupo político ligado à reitoria e estou na universidade há pouco tempo e, portanto, não tenho informações sobre o assunto, deixo que os acusados respondam, se assim lhes interessar. O que nos interessa mais no texto é seu estilo e a recorrência de velhos lugares comuns que foram usados, outrora, para justificar a invasão e as violências cometidas contra a UnB (uma boa pesquisa seria ler os jornais e revistas que saíram à época da invasão da UnB, em 1968. Talvez,para citar uma daquelas canções estudantis/esquerdistas que fazem o coração dos paranóicos saltar, a conclusão seria: somos como nossos pais). Com base em algumas acusações o autor constrói generalizações abusivas. Com esse tipo de tática, qualquer coisa pode ser “provada”. Alguém pode escolher 3 ou 4 entrevistados e montar um texto provando, por exemplo, que as araras do zoológico estão sendo treinadas para ações de guerrilha urbana ou que os freqüentadores do Rotary Club usam drogas pesadas em seus chás beneficentes.
4. O elogio ao passado é, no mínimo, ambivalente, visto que só tem uma função específica: desqualificar a atualidade. Com esse gesto, a revista procura se apropriar de uma tradição e apresentar-se como sua paladina: a tradição democrática, anti-ditadura. Mas, ironias da história, o golpe de 1964 também foi feito em nome da democracia!


* Orientalismo?

quinta-feira, 30 de junho de 2011

SOBRE A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE HISTORIADOR

Olá pessoal, no link abaixo está disponível uma entrevista do site do " Café História" com o senador Paulo Paim, autor projeto de lei que pretende regulamentar a profissão de historiador no Brasil.

Aproveitem o texto e comentem!

http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/arquivo-conversa-cappuccino-8

terça-feira, 21 de junho de 2011

A função social da fofoca: Uma história mal contada

Muito se fala sobre a recente e imensa inovação temática do campo historiográfico. Por outro lado, quando observamos a situação atentamente notamos um dado curioso, complementar à dita inovação: a grande quantidade de temas pouco explorados. Um deles é a fofoca. Aparentemente fútil e mesquinha, a prática e o estilo da fofoca pode ser excelente indicativo sobre os modos de funcionamento da vida social e dos mecanismos de poder em um dado momento histórico.
Pensando meio aleatoriamente, consigo me lembrar de três livros que poderiam inspirar uma pesquisa desse tipo. O primeiro, o belo capítulo “O rumor também é um deus”, do livro A escrita de orfeu de Marcel Detienne. Detienne apresenta o Rumor como uma espécie de potência grega, representada por um ser grotesco de inúmeros olhos e línguas. O Rumor seria a força criadora das palavras que se proliferam pelo mundo, sem autoria definida. O disse-me-disse que toma conta de todas as vozes, sem origem definida. A figura esboçada por Detienne chega a ser encantadora: o Rumor tem o seu charme por ser uma fala desautorizada, sem amparo institucional, alheia ao poder.
O segundo livro já nos dá uma imagem com menos charme. Em A Sociedade de Corte, Norbert Elias apresenta o quadro de uma vida social regida pela luta pelo prestígio. A Corte seria exatamente o meio social em que o poder tinha como base não a riqueza econômica ou a força militar, mas o “bom nome”, as “boas relações” – algo semelhante à universidade. Por isso, a vida na Corte era um constante jogo onde se procurava aniquilar o prestígio dos concorrentes. Um dos meios eficazes para tal era a fofoca. Interessa notar aqui que a fofoca, diferentemente do Rumor, seria a encarnação do poder e não o que a ele se subtrai. Seus recursos retóricos tinham como base os preconceitos compartilhados, a moral comum. Ou seja: o moralismo e a hipocrisia como armas de luta do fofoqueiro – seu modo de conseguir respeito e ameaçar os outros com o desrespeito alheio. Ainda aqui, o fato de a fofoca não ter um autor em nada diminui seu efeito, por assim dizer, perverso, uma vez que aquele que acredita na fofoca também é fofoqueiro. Um efeito correlato, extrapolando um pouco o dito explicitamente no livro de Elias, pode ser chamado de policial. No sentido clássico do termo - o policiamento como governo, administração dos costumes, correção dos desvios: o alvo da fofoca sendo o comportamento tido como imoral, desviante, escandaloso. Sendo assim, a fofoca como discurso eminentemente conservador e mesmo reacionário. O fofoqueiro supõe-se, aqui, o porta-voz da moral, daí sua inerente hipocrisia. O fofoqueiro como julgador: daí seu olhar de ódio e ameaça.
Um quadro semelhante, mas ainda mais sombrio temos no romance Ninho de cobras de Ledo Ivo. Mais sombrio porque neste caso o fofoqueiro é o delator, o dedo-duro. Já não sendo, portanto, alguém que usa a moral comum para seus jogos de poder, mas o perseguidor, o investigador e o chantagista. Não é para menos: o romance é uma alegoria do autoritarismo em geral e da ditadura militar em particular, situações em que o dedo-duro adquire aura de herói patriota. Por assim dizer, a fofoca como serviço de utilidade pública. Em diferentes situações, a fofoca tem diferentes funções e sentidos. Daí o seu interesse histórico. Ainda que carregado de melancolia. Quando estudamos o tema, estamos diante do nosso lado mesquinho, acusador. A fofoca é convincente porque se baseia em evidências, naquilo que todos vêem e sabem, no que não é segredo para ninguém. Mas a isso, a fofoca sobrepõe suas próprias interpretações e pontos de vista. Que nada mais são do que o senso comum, os pressupostos e preconceitos disfarçados de defesa da ética. Ou seja, mesmo com melancolia, uma pesquisa sobre a fofoca deveria reconhecer que não há nada de mais ordinário (no sentido de comum) do que um fofoqueiro e as banalidades que ele diz, com sua postura, ora de delator, ora de policial, ora de juiz da moralidade pública.
As fontes para tal pesquisa deveriam ser variadas. O tema exigiria uma procura refinada, uma vez que a fofoca desliza socialmente, espalha-se, dissemina-se. E, claro, é fundamentalmente oral. Sua teoria poderia se basear em livros como os que indiquei e na observação da vida social à nossa volta.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Carreira de pesquisador em História por Carlos Fico

Olá pessoal, gostei muito desse post do Prof. Carlos Fico.
Diversos professores do nosso Departamento fizeram uma trajetória similar a que ele descreve.
Aproveitem a leitura e os conselhos!
Abs,

Sara Daiane



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O(a) jovem que deseja tornar-se um(a) pesquisador(a) em História deve preparar-se para enfrentar um longo percurso.

O primeiro passo, naturalmente, é ingressar em um bom curso de graduação (há diversos rankings que facilitam a escolha). O bacharelado em História é uma etapa difícil: a visão frequentemente tradicional que se tem da História no ensino médio tende a ser “desconstruída” na universidade, o que costuma gerar crises epistemológicas nos(nas) jovens candidatos(as) a historiador(a). Sempre digo a meus(minhas) alunos(as) que o principal não é cumprir as disciplinas, mas integrar-se em grupos de pesquisas, fazer iniciação científica, atuar como monitor. Para mim foi muito importante aproximar-me dos(as) professores(as) que admirava, pedir orientação insistentemente: é muito comum que os(as) professores(as) universitários(as) sejam pouco demandados(as) e, por isso, acabam sendo mal aproveitados(as).

No final da graduação, é importante que a monografia de bacharelado seja bem escolhida. O primeiro exercício de pesquisa não pode ser aborrecido.

Há uma espécie de “taylorização” da formação do pesquisador: emenda-se o bacharelado no mestrado, feito rapidamente em dois anos, e logo se inicia o doutorado, às vezes até antes da defesa da dissertação de mestrado. Isso é ruim, já que nossa profissão exige amadurecimento, erudição, leituras, algo que demanda tempo. No passado, uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado podia ser feita ao longo de 5, 6 anos, ou muito mais. Mas não adianta pensar em termos ideais. Hoje há muita competição. Por exemplo: quando ingressei na carreira do magistério superior, em 1985, eu nem tinha o mestrado, era apenas um especialista (pós-graduação lato sensu). Comecei como “Professor Auxiliar”. Hoje em dia, nenhuma universidade contrata professores auxiliares porque, para atuar na pós-graduação, é preciso ser doutor e praticamente todos os departamentos têm cursos de pós-graduação.

Portanto, é preciso fazer o mestrado rapidamente, nos dois anos regulamentares, de preferência com uma bolsa do CNPq ou da CAPES, o que depende da classificação no processo de seleção. É essencial, portanto, fazer uma boa seleção. Isso resulta, em geral, de duas coisas: um bom projeto de pesquisa e, eventualmente, ter atuado na graduação do departamento em alguma iniciação científica. Um bom projeto de pesquisa é aquele que define com precisão um problema e indica a existência de fontes documentais interessantes. Um bom roteiro para a elaboração de projetos de pesquisa pode ser visto nos editais de seleção do meu programa de pós-graduação, o PPGHIS da UFRJ.

O mestrado é uma correria e, nesse sentido, até mais difícil do que o doutorado. O(a) aluno(a) vem da graduação, muitas vezes sem experiência de pesquisa e, em dois anos, tem de fazer uma dissertação. Como no primeiro ano é preciso cumprir, em geral, quatro disciplinas, a dissertação só é redigida mesmo no segundo ano.

No doutorado as coisas são mais tranquilas, em função da experiência adquirida e do prazo maior (quatro anos). O único problema é que você terá de fazer uma tese de doutorado! É um trabalho que pressupõe originalidade. O mais importante, entretanto, é ter em mente que a tese costuma “marcar” o autor: quando você fizer um concurso para tornar-se professor, por exemplo, é certo que sua tese será considerada.

Depois da tese, o passo final é a busca de um emprego. Muitos recém-doutores só vão se inserir no mercado nesse momento, tendo vivido de bolsas até então. É a realidade hoje em dia. Como disse, no passado, muitos professores se doutoravam depois de anos de atuação no magistério. Seja como for, há algumas alternativas. Uma delas é trabalhar como "Professor Recém-Doutor" em algum departamento ou programa de pós-graduação, algo que, em geral, depende de uma inserção prévia em grupos de pesquisa. Outra hipótese é se tornar "Professor Substituto" (dando aulas na graduação no lugar de um professor aposentado ou falecido antes do concurso para professor efetivo). O processo de seleção para professor substituto é mais simples do que o tradicional concurso de provas e títulos para professor efetivo.

O concurso para se tornar professor do magistério superior federal (efetivo) é bastante pesado. Há provas de aula, de arguição do currículo e escrita. Usualmente, são muitos os candidatos. Como já disse, em geral os concursos são para “Professor Adjunto”, isto é, aquele que já é doutor. Dificilmente se contrata um "Professor Auxiliar" (especialista) ou "Assistente" (mestre). Depois de oito anos, o Adjunto pode progredir para "Professor Associado". Para chegar ao último patamar da carreira, como “Professor Titular”, é preciso fazer outro concurso, que pode exigir uma tese ou uma conferência, dependendo da universidade.

Se tudo der certo, são quatro anos na graduação, dois no mestrado e quatro no doutorado, isto é, dez anos apenas para começar a carreira. Boa sorte! E paciência...

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Fonte: http://www.brasilrecente.com/2011/06/carreira-de-pesquisador-em-historia.html

quarta-feira, 1 de junho de 2011

III SEMHIS-UnB

III Seminário dos Estudantes de História

História do Tempo Presente - Autoritarismo, Democracia e Socialismo

2-3 Junho de 20111

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Americanos elegíacos sentimentos (aproximação a um poema de Gregory Corso* em memória de Kerouac

Vou por aqui, agora na ordem certa. E em homenagem ao Tempo dos Assassinos e à Morte da República continuada por Obama. Que agora tem que escolher entre: a. ser mais um dos mentirosos estilo docs do pentágono, watergate, bush decretando 10 anos o fim da guerra (invasão) ao Iraque, um autor de uma Teoria da Conspiração Imperial sobre um terrorista jogado no mar que, ao contrário das expectativas, causou com sua morte um aprofundamento do Estado de Terror; ou b. ser um criminoso de guerra, contrariar todas as convenções e tratados, mesmo que não assinados por seu país, ao autorizar e assistir ao vivo a invasão de uma residência de um país estrangeiro nem sequer em guerra pelo exército americano assassinando civis e depois jogando o corpo do morto no mar não importa quão criminoso. e pensar que os versos e a poética libertária de Walt Whitman foram manchados e reciclados ao contrário virando lixo na posse desse tirano boçal por uma poeta de quinta categoria que fez um pastiche vagabundo

Gregory Corso
Elegiac feelings american

Americanos elegíacos sentimentos
Tomando muita liberdade face ao literal pra dar conta dos jogos de palavras e sintaxe
Notas: beat: apanhar da vida. Bitter: amargo.
Foundling fathers.
How: howl.
À querida memória de Jack Kerouac

1.
Como são inseparáveis você e a América que você viu apesar de nunca estar ali pra ser vista; você e América, como a árvore e o chão, são um e o mesmo; mesmo que como uma palmeira no Oregon... morta assim que floresce, como um urso polar em acrobacias no Miami –
Como assim aquilo que você foi ou esperava ser, e a América não, a América que você viu e ainda assim não podia ver
Tal como e ainda assim incomum no chão de onde você brotou; você de pé sobre a América como uma árvore sem raiz e sem rumo; pra o esquilo não havia divórcio entre o pulo do chão e a escalada na árvore... até que ele viu nenhuma semente cair e soube que não havia casamento entre os dois; como é infrutífera, como é inútil, a triste desnaturada natureza; não espanta que o pôr-do-sol tenha deixado de ser deleite... já que de que valem terra e sol quando a árvore entre eles é inválida... a inseparável trindade, uma vez sem serventia, torna-se uma fria infrutífera insignificante mortementira triplamente marcada em sua horrível amputação... Oh açougueiro a costeleta não é o porco – O Americano alienígena na América é amargo desmembramento; e mesmo sua elegia, querido Jack, devia ter uma árvore retalhada, prensada até a celulose, que a conterá – não espanta que boas novas não possam ser escritas sobre essas más novas –
Como é alienígena a terra natal, como a árvore morre quando o chão é estrangeiro, frio, não livre – O vento não sabe soprar a semente da Sequóia em que ninguém nunca esteve ; nenhuma palmeira é soprada ao Oregon, que sábio o vento – Sábio tanto quanto os mensageiros do profeta... sabendo da fertilidade do tal lugar em que a dita profecia foi anunciada e poderia ser respondida – o semeador de trigo não semeia nos campos de cana; já que o semeador de voz também semeia o ouvido. E fosse o pequeno Liechtenstein ao invés de América, a designação... certamente então seríamos a língua de Liechtenstein –
Não foi tanto a gente descobrindo a América quanto a América descobrindo sua voz em nós; muitos discursavam pra América como se a América lhes pertencesse por usucapião, crédito, direito e lei juridicamente adquirida por meio de golpes materialísticos de prosperidade e herança; como o cidadão de uma sociedade acredita ser o dono da sociedade, e o que ele faz de si mesmo ele faz da América e assim quando ele fala de si ele fala da América e dessa forma outro ele é eleito pra representar o que ele representa... um ego infernal de uma América
Assim quantos patriotas discursam amorosamente sobre si mesmos quando discursam sobre a América, e não apreciá-los é não apreciar a América e vice-versa
A língua da verdade é a verdadeira língua da América, e não poderia ser encontrada no Daily Heralds já que a voz dali é uma voz controlada, amaldiçoadamente opinativa, e dirigida ao crédulo
Não espanta que nós nos tenhamos descoberto desenraizados, porque nós nos tornamos as próprias raízes, - a mentira jamais enraíza e dali cresce sob a verdade do sol e alcança o fruto da verdade
Taí Jack, eu não posso fazer o seu réquiem sem fazer o réquiem da América, e este é um réquiem que não me cabe antecipar, porque enquanto eu for vivo não existirão réquiens pra mim
Porque se a árvore morre a árvore nasce novamente, só depois que a árvore morrer pra sempre e nunca outra árvore nova nascer... então o solo morrerá também
Seus os olhos que viram, o coração que sentiu, a voz que cantou e lamentou; e enquanto a América viver, mesmo que seu corpo tenha morrido meu velho Kerouac, você viverá... porque de fato o nosso é o tempo da profecia sem a morte como conseqüência... porque de fato depois do nosso veio o tempo dos assassinos, e quem duvidará de suas últimas palavras “depois de mim... o Dilúvio”
Ah, mas se fosse questão de estações eu não duvidaria do retorno da árvore, se não pra que o solo que nos sustenta sendo ele incapaz de sustentar – é, a árvore vai cair quando for esta a estação, pois assim é o hábito da natureza, é assim que o solo, a queda, a lenta mas certa decomposição, até que a própria árvore se torna o próprio solo que a sustentou; depois que caia o solo... ah, e depois o quê? Isso não pode ser respondido na natureza, pois não haverá outro solo onde cair e repousar, nem queda, nem ascensão, nada crescerá, sem direção, e no que, por que, se a composição chegar à sua própria decomposição?
Nós viemos pra anunciar o espírito humano em nome da verdade e da beleza; agora esse mesmo espírito clama no lugar da natureza pelo horrível desequilíbrio de todas as coisas natural... esquiva natureza capturada! Como um pássaro na mão, aproveitado e remanufaturado nos moldes involutivos da técnica e do experimento
Pois é apesar de a árvore ter enraizado no solo o solo é revirado e nesse vômito forçado o terrível miasma das árvores fossilizadas da morte os restos milenares e a graxa de dinossauros mortos a eras são expelidos e espalhados trazidos novamente à superfície e avançam no céu e nós o respiramos em acúmulos de poluição
Que esperança pra América incorporada em ti, Amigo, quando o mesmo álcool que desencarnou o seu irmão pele-vermelha da sua América, desencarnou você – uma armação pra agarrar a terra deles, nós sabemos – ainda assim que armação pra agarrar a inagarrável terra do espírito de alguém? A Tua América visionária era impossível de ser visualizada – porque quando as sombras das janelas do espírito caem, aquilo que foi visto ainda permanece... os olhos do espírito ainda vêem
É, a América incorporada em ti, tão definitivamente enraizada assim, é a incorporação viva de toda a humanidade, jovem e livre
E sempre que a árvore redentora floresça, mesmo que não plenamente, mesmo que não com certeza, lá estarão os entrevados, velhos e tristes, que gostarão de fazê-la cair: eles cortam, retalham, atiram pra longe... que nada jovem e livre se sustente de qualquer maneira
Na verdade essas árvores eram como a juventude é... fossem tais árvores feitas pra cair, e não mais nascer pra crescer novamente, então o chão deveria cair, e o dilúvio chegar e inundar tudo, purificar tudo e todos pra sempre, como um vento vindo de lugar nenhum pra lugar algum

2.
“Como Clark Gable segura firme tuas mãos...” (conversa no México em 1956) – Mãos tão fortes e ensolaradas de México, ocupadas com a América, mãos que eu sabia iriam fazê-lo, iriam tomar conta e acariciar
Você estava sempre falando da América, e América sempre foi história pra mim, General Wolfe deitado no chão morrendo em sua farda vermelha brilhante amparado por alguém de farda azul pendurado na parede da sala de aula ao lado do pai da nação cujo peito estava sombreado na pintura... sim, a nossa foi uma História Americana, história com futuro, é claro;
Como um Whitman nós estávamos buscando, esperando por uma América, aquela América sempre uma América ainda em vir-a-ser, nunca uma América para ser cantada ou uma América para ouvir nosso canto, mas sempre uma América pela qual clamar cheio de esperança
Tudo o que nós tivemos foi a América passada, e nós mesmos, a América agora, e ah como nós guardávamos aquele passado! E Ah a grande mentira daquela sala de aula! A Guerra da Revolução... tudo o que nós tínhamos era Washington, Revere, Henry, Hamilton, Jefferson e Franklin... nunca Nat Bacon, Sam Adams, Paine... e a liberdade? Não foi pra conquistar a liberdade aquela guerra, liberdade eles tinham, eles eram os homens mais livres do seu tempo; foi para não perder aquela liberdade que eles pegaram em armas – ainda assim, e ainda assim, a estação em que nós florescemos para a cena era escassamente livre; há liberdade hoje? Não pra escutar o que o índio, o negro, o jovem têm a dizer
E no começo quando liberdade era tudo o que alguém podia escutar; não foi bem assim pras pobres bruxas de Salem; e aquele imenso entusiasta de liberdade, Franklin, pagou bondosamente100 dólares por cada escalpo de criança selvagem nascida livre; Pitt Jr conseguiu boa parte da cidade do amor fraterno por meio do ultraje ofensivo ao abandonar o coração confiante de seu irmão pele-vermelha com tortuosa trairagem; e como ignorava a liberdade o sábio Jefferson proprietário de negros que perderam a liberdade; pra os declaradores da Independência declará-la apenas para uma parte do todo era declarar a guerra civil
Justiça é tudo o que um homem da liberdade precisa esperar por; e justiça foi uma coisa extremamente importante pelos pais afundada; um diadema pra vida Americana sobre o qual podiam se estabelecer os gêmeos Deus e propriedade privada;
Como o pobre Americano nativo sofreu pela estabelecimento forçado daqueles dois pilares da liberdade!
Da Justiça brota um Deus inconstante; de Deus brota uma justiça ditada
“Os caminhos de Deus levam à liberdade” disse São Paulo... ainda assim é o homem que precisa da liberdade, e não Deus, pra ser capaz de seguir os caminhos de Deus
O justo direito do indivíduo à propriedade de seu pedaço de chão não se justifica para aqueles a quem a terra pertencia coletivamente em primeiro lugar;
Aquele que vende a terra da humanidade a um único homem vende a Ponte do Brooklyn,
A segunda maior causa de mortalidade humana... é a aquisição de propriedade
Nenhuma vida Americana vale um hectare da América... se Proibido Entrar ou cães de guarda não te convencerem uma arma de fogo o fará
E daí, doce buscador, que América buscou você então? Saiba que hoje existem milhões de americanos buscando a América... saiba que mesmo com toda essa química que expande os olhos – só mais do que não está lá eles vêem
Alguns encontram a América nas canções das pedras aglomeradas, outros na névoa da revolução
Todos a encontram em seus corações... e Ah como ela aperta o coração
Não é tanto suas existências aprisionadas numa velha e insuportável América... mais a América aprisionada neles – que dilacera e obscurece o espírito
Uma nunca vista América, sonhada, incerta em tremores, vagabunda o coração, envia más vibrações adiante cósmica e ao contrário
Você poderia ver o desprezo em seus tristes olhos jovens, e enquanto isso as prisões estão virando barbearias, e o exército sempre foi
Contudo inábeis eles são pra aparar o furacão de seus olhos
Mira até Moisés, nenhum profeta jamais alcançou o prometido das terras... ah mas teus olhos estão mortos... e nem a América para além de sua derradeira sonhada colina na real paira

3.
Como se parecem nossos corações e tempo e morte, como nossa América lá fora e dentro de nossos corações insaciável e ainda assim transbordando aleluias de poesia e esperança
Como a gente sabia sentir cada pôr-do-sol, e Oh e Ah uivo pra cada tristeza dourada e desamparo de costa a costa em nossa busca por qualquer alegria inabalável nunca lá e agorassempre cinza
Sim a América a América imaculada e jamais revolucionada para a liberdade e sempre em nós livre, a América em nós - desfronteirada e a-historicizada, nós a América, nós os pais daquela América, a América que você Johnnyappleseedou, a América que eu anunciei, uma América nunca lá, uma América prestes a ser
O profeta afeta o estado e o estado afeta o profeta – o que aconteceu com você, Oh amigo, aconteceu com a América – a mancha... as manchas
E ah quando se pergunta sobre você “o que aconteceu com ele?” Eu digo “Aconteceu com ele o que aconteceu na América – os dois eram inseparáveis” como o vento para o céu é a voz para a palavra...
E agora aquela voz se foi, e aquela palavra é foice, e a América desfaz-se, o planeta fossiliza
Um homem pode ter tudo o que quer dentro de casa e ainda assim não ter nenhuma onda pra curtir do lado de fora da porta – pra um homem sensível, um homem poeta, tal fora só serve pra fazer de sua casa um lugar onde alguém mergulha na ressaca fiz isso por causa do hang oneself
E quanto a nós, querido amigo, nós sempre trouxemos a América pra dentro de casa – e jamais como roupa suja, mesmo com todas as manchas
E pela porta da frente, carinhosamente aninhada em nossos corações; onde nós sentávamos e desenvolvíamos nossos sonhos de beleza na esperança de que ela tornaria belo o nosso ninho
E o que aconteceu com o nosso sonho (beauteous: beat) de América embelezada, Jack?
Pareceu bonito a você, soou assim tão bem, em seu frio elétrico blues, aquela América que vomitou e empesteou sua casa, seu cérebro bom, aquela irreal falsa América, aquela caricatura de América, que ligou a América num muro... um galão de uísque desesperado te levou um dia a olhar aquela América em seu olho incorpóreo
E ela não te viu, ela nunca viu você, porque o que você viu não estava lá, o que você viu foi besteirol na tv, e toda a América estava nessa de bobeira, aquela América que emburrou você, emburrou a América, tudo aquilo emburrado, (brought you in), tudo aquilo em lugar algum sem conteúdo, não surpreende que você tenha sido solitário, morreu vazio e triste e sozinho, você a voz e a face na real... capturado nas ondas da falsa voz e da face falsa – que se tornou real e você falsificado,
Oh a terrível fragilidade das coisas
“O que aconteceu com ele?” “O que aconteceu contigo?” A morte foi o acontecimento; uma vida desenganada aconteceu; um Deus adoecido aconteceu; um sonho em pesadelo; uma juventude militarizada; militares massacrados; o pai quer devorar o filho, o filho usado como lenha pra acender a pira, (the son feeds his Stone, but the father no get stoned), mas o pai nada de pirar
E você Jack, pobre Jack, viu seu pai morrer, sua América morrer, seu Deus morrer, seu corpo morrer, morrer morrer morrer; e hoje os pais assistem seus filhos a morrer, e seus filhos assistem bebês a morrer, por quê? Por quê? Como nós dois perguntamos POR QUÊ?
Ah a horrível triste tristeza disso tudo
Você nada além de uma década Kerouac, mas quanta vida naqueles dez Kerouac!
Nada aconteceu a você que não tenha acontecido; nada ficou incompleto; você circulou por todo o ciclo, e o que está acontecendo com a América não mais acontece com você, porque o que acontece com a consciência de uma terra também acontece com a voz daquela consciência e a voz está morta ainda que a terra perdure pra esquecer o que escutou e da palavra não resta um osso
E tanto a palavra quanto o solo de carne e terra sofrem a mesma doença e a mesma morte... e morre a voz antes da carne, e o vento sopra um silêncio mortal sobre a terra moribunda, e a terra vai olvidar sua ossada, e nada de vento pra soar o gemido, só silêncio, silêncio, e nem mesmo o ouvido de Deus pra escutar
É, o que aconteceu com você, querido amigo, compassivo amigo, é o que está mudando todos e tudo no planeta o clamorosamente triste desesperado planeta agora com uma voz a menos... expansiva como o vento... partida, e agora quem vai soprar pra longe o terrível miasma da doença, doentia e moribunda em carne e terra a alma da América
Quando você pôs o pé na estrada à procura da América você encontrou somente o que você mesmo viu nela e um homem à procura de ouro encontra a única América que há pra encontrar; e este investimento e o investimento de um poeta... dá no mesmo quando vem a quebradeira, e estamos quebrando, no entanto as janelas são apertadas, não dá pra pular; do inferno ninguém jamais caiu

4.
No inferno os réus anjos também cantam (in Hell angels sing)
E cantaram para manter renovados
Os que seguiram quem carregou Cristo menino nos ombros
Abandonaram o inferno e contemplaram um mundo novo
Contudo com armas e bíblias eles vieram
E cedo sua morada nova envelheceu
E mais uma vez o inferno aportou.

O Arcanjo Rafael eu era pra você
E eu pus a cruz do Senhor dos Anjos
Em você... ali
No limite de um mundo novo a explorar
E você foi lampejo sobre um velho e escuro dia
Um beat criança-Cristo... com a gentil circularidade das coisas sobre os ombros
Insistindo que a alma é circular e não quadrada
E então... depois de ti
Seguiram os teus passos
Os filhos das flores.

sexta-feira, 11 de março de 2011

quarta-feira, 2 de março de 2011

Solidariedade X Objetividade

Em seu primeiro ensaio intitulado “Solidariedade ou Objetividade?”, do livro “Objetivismo, relativismo e verdade: escritos filosóficos 1”, Richard Rorty tem como objetivo a defesa da fundamentação da objetividade (entendida como intersubjetividade) através da solidariedade, o que nos seus termos significa também uma desconfortante opção ao etnocentrismo, e um abandono da crença da neutralidade como única via de transcender à aculturação (ou seja, um abandono também do projeto iluminista de fundar a solidariedade a partir da objetividade). O autor entende solidariedade e objetividade como dois modos fundamentais pelos quais os seres humanos dão sentido as suas vidas num contexto mais amplo: a primeira como a narração de sua contribuição à comunidade (histórica/atual ou imaginária); a segunda, diferentemente do desejo de solidariedade, pelo afastamento da comunidade e uma busca por uma relação imediata com uma realidade não humana (não cultural, ou não particular), uma relação com a “natureza intrínseca”, o desejo de objetividade.

A tradição da cultura ocidental constituí o exemplo mais gritante de um desejo de objetividade através do abandono da solidariedade, da comunidade. Fundada na noção de busca pela verdade, verdade que persuade por sua própria causa, e pela necessidade de um afastamento para com a comunidade afim da transcendência de nossas próprias luzes, para assim alcançar um estado de neutralidade e imparcialidade do qual entramos em contato imediato com uma natureza primeira, intrínseca da realidade; essa tradição perpassa desde as distinções platônicas entre conhecimento e opinião, aparência e realidade, à matematização da natureza que se segue com Descartes, ao pensamento social liberal do Iluminismo, a enfim os realistas do século XX. Aqui a imagem do intelectual é aquela do homem reflexivo que está em contato com a natureza das coisas, não por intermédio das opiniões de sua comunidade, mas de maneira mais direta.

Rorty chama aqueles que desejam fundar a solidariedade na objetividade de “realistas”, caracterizando-os como tomando a verdade como correspondência à realidade. Assim sendo necessitam de uma metafisica da qual por meio de uma relação de crenças e objetos, é possível estabelecer uma distinção entre quais crenças são verdadeiras (onde há correspondência) e quais são falsas. Necessitam também de uma epistemologia fundada numa justificação não apenas social, mas antes, natural, da natureza do homem e do mundo.

Do outro lado da moeda, aqueles que reduzem a objetividade à solidariedade são chamados pelo autor de “pragmáticos”. Esses entendem a verdade e o conhecimento, não necessariamente como algo correspondente a uma misteriosa natureza intrínseca, mas antes como o que é bom para acreditarmos, a melhor explicação o possível. Sendo assim, a cisão entre verdade e justificação, bem como a objetividade, não se fundam num ponto de vista absoluto, a-histórico, transcultural e natural, atingido pelo escape das limitações de uma dada comunidade; mas antes no maior grau de concordância intersubjetiva possível de se obter. Uma verdade e um conhecimento seriam assim, um elogio a uma crença por mais bem justificada (e aceitada), ou que não necessita de justificação adicional no momento.

Isso não implica na ideia de que toda e qualquer crença é tão boa quanto qualquer outra, nem de que a verdade possui tantos significados quanto procedimentos de justificação. A posição pragmatista não possuí uma base metafísica, nem uma base epistemológica (relativista), mas sim uma base ética baseada na ideia do dialogo. Sendo assim não possui uma teoria relativista, ou uma teoria da verdade. Afirma antes a verdade enquanto um termo para aprovação (significando isso nas mais diversas culturas). Em essência, “a distinção entre culturas diversas não difere em espécie da distinção entre diferentes teorias assumidas pelos membros de uma cultura em particular... O problema em todos esses casos é justamente a dificuldade de explicar por que outras pessoas discordam de nós, a dificuldade de reformular nossas crenças de tal modo a ajustar o fato dessa discordância com outras crenças que abraçamos”(pág.43, 44).

O pragmatismo, assim, não é uma teoria positiva que afirma a verdade enquanto uma coisa referida/relativa a uma outra, mas sim uma posição negativa (e moral), do qual devemos abandonar a tradicional distinção entre conhecimento e opinião, entre verdade e justificação. Para o pragmatista “não há nada a ser dito nem sobre a verdade nem sobre a racionalidade, para além das descrições dos procedimentos familiares de justificação que uma dada sociedade – a nossa – emprega em uma ou outra área de justificação” (pág. 40). “Uma investigação sobre a natureza do conhecimento só pode ser, segundo seu ponto de vista, uma avaliação histórico-social de como pessoas variadas tentaram alcançar concordância sobre aquilo em que acreditam” (pág.41), mais do que uma busca por “essências reais” do conhecimento, do homem e da natureza.

Não há assim um ponto de partida neutro, a-histórico donde o homem reflexivo se destaca da sua comunidade e transcende sua aculturação. A transcendência de nossa aculturação deve vir antes do maior contato e dialogo que possamos estabelecer com as mais diferentes crenças e culturas existentes, “é sermos criados em uma cultura que se orgulhe de si mesma por não ser monolítica – por sua tolerância diante de uma pluralidade de subculturas, bem como por sua disposição em escutar as culturas vizinhas”(pág. 27). A imagem pragmatista da figura do intelectual seria assim bem mais daquele que, através de seus ethnos, consegue dialogar com a diferença; não de maneira apenas relativista (se abstendo de tomar posições morais), ou dum etnocentrismo cego e chulo, mas buscando a concordância de ambas as partes do diálogo.

RORTY, Richard. Objetivismo, relativismo e verdade: escritos filosóficos 1. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997. (A objetividade entendida como intersubjetividade e fundada na solidariedade).

terça-feira, 1 de março de 2011

O projeto de pesquisa em história

TEXTO PUBLICADO NA REDE HISTÓRICA

O livro "O Projeto de Pesquisa em História" foi publicado pela primeira vez em outubro de 2005, pela Editora Vozes. Neste início de 2011, chega à sua 7a edição, em pouco mais de cinco anos. A receptividade da obra reflete possivelmente o fato de que foi o primeiro livro sobre elaboração de Projetos de Pesquisa com ênfase específica na área de História, embora o livro também tenha se prestado às demais áreas das Ciências Humanas e Sociais, ou mesmo outras.

Assuntos mais gerais como a Delimitação do Tema, a Revisão Bibliográfica, as diferenças entre Teoria e Metodologia, ou a elaboração de Hipóteses - que podem beneficiar estudantes e pesquisadores de qualquer área de conhecimento - são alternados com questões mais específicas dos historiadores, tais como a distinção entre Fontes e Bibliografia, a determinação de um recorte espaço-temporal problematizado para a Pesquisa, a reflexão sobre o lugar de produção da operação historiográfica, ou a especificidade do texto de História.



Este equilíbrio entre questões mais amplas que remetem à Pesquisa em todas as área de conhecimento, e questões mais específicas que dizem respeito à História e às Ciências Humanas, constituem certamente um ponto de interesse que já tem possibilitado à Editora renovar as sucessivas re-edições da obra em menos de um ano.

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As referências do livro são as seguintes:

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título: O Projeto de Pesquisa em História

autor: José D'Assunção Barros

editora: Editora Vozes

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Os membros do Rede Histórica que se interessarem, poderão receber dois capítulos do livro por e-mail para conhecerem a obra. Basta deixar o e-mail ou na página de comentários, ou pedir pelo e-mail jose.assun@globo.com

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Algumas resenhas sobre a obra já foram elaboradas em revistas científicas da área de História, e uma delas foi escrita a não muito tempo pelo professor Diogo da Silva Roiz,da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, mestre em História pela UNESP, e doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná. A resenha foi publicada pela Revista Brasileira de História e Ciências Sociais.

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Leia a resenha do livro "O Projeto de Pesquisa em História", escrita por Diogo Roiz (UEMS), em: http://ning.it/ggS7i2



Referência do livro: BARROS, José D'Assunção. O Projeto de Pesquisa em História. Petrópolis: Editora Vozes, 2011, 7a edição.



quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Anacronismo: a mordaça, a venda e o papel higiênico do historiador

Como todo bom contador de histórias, vou começar pelo final do título. O título é uma brincadeira com um jogo de palavras orbitando em volta do anacronismo e do historiador.
O papel higiênico do historiador seria uma de suas funções para com o anacronismo, isto é, higienizá-lo, depurá-lo de suas boçalidades e cinismos. Ora, mas porque encarar algo tão caro ao historiador como o anacronismo como uma coisa tão perversa? Este é o cerne da questão. Nem tudo que o homem constrói o faz com índole má. O anacronismo surgiu para ajudar os historiadores a olhar para o passado, alertá-lo de que o seu “eu” é diferente do objeto. Seja um personagem histórico, seja um período como um todo, o anacronismo possibilita ao historiador reconhecer seus limites, o quão distante ele pode estar da verdade de qualquer acontecimento passado. Mas a utilização que os historiadores fazem do anacronismo hoje diferem em muito desse ideal.
Lembro-me da minha primeira aula de História que tive na UnB. Todos os alunos sentados, meio rígidos de ansiedade ou porque não estavam acostumados com as cadeiras do ensino público. Atentos, ou melhor, hipnotizados por aquela figura que se posiciona no fim da sala, sorvendo cada palavra do professor. Lá pelas tantas alguém ousa levantar a mão. A resposta? Não poderia ser outra se não: você está incorrendo num erro comum aos que estão começando a estudar História, respondeu o professor. Era o tal anacronismo, embora o professor não tivesse nomeado o erro. Ser anacrônico é o maior pecado que um historiador pode cometer, falar dele é sinal de sabedoria, nomeá-lo é uma blasfêmia. Quando a aula acabou percebi que alguma coisa naquilo me incomodou. Ora, antes do professor explicar eu não havia concordado com o questionamento do garoto? Havia, e de acordo com o professor eu estava pensando do jeito errado. ”Nós nunca poderemos entender o que eles realmente queriam dizer” – lembro-me exatamente de suas palavras. Sim, algo me incomodava e ia crescendo a medida que eu pensava no assunto.
“Nós nunca poderemos entender o que eles realmente queriam dizer”
O professor falou da imensa distância temporal que nos separava. Certo. E eu concordo com isso então por que eu me sentia como se minhas costas estivessem coçando num lugar que eu não conseguia alcançar?
A resposta veio em outra aula algum tempo depois, quando uma situação como aquela se repetiu, mas dessa vez o professor em questão conseguiu esmiuçar mais um pouco a respeito do “erro comum”. Um estalo, parecia desenho animado com uma lâmpada acendendo sobre minha cabeça. Ora, se nunca poderemos entender o que realmente eles queriam dizer, então o que estamos fazendo aqui? Não é justamente entender o que eles queriam dizer de fato? A resposta é tão irônica e safada que não posso deixar de esboçar um sorriso enquanto escrevo. Em outras palavras o que o professor da minha primeira aula quis dizer foi o seguinte:
“Embora nós nunca possamos entender o que eles realmente queriam dizer, se fosse possível, eu estaria muito mais perto de conseguir isso do que vocês”
De fato, estou sorrindo agora. Obviamente, o professor não diria algo assim abertamente, mesmo porque às vezes a coisa está tão entranhada que ele nem se apercebe disso. A questão é que a resposta não está – a meu ver – errada em qualquer dos sentidos mencionados, há não ser por um problema de implicidade.
Acredito mesmo que nós nunca poderemos entender o que “eles” queriam dizer, não em seu sentido absoluto pelo menos e também reconheço que pelos anos de estudo se pudéssemos fazer tal coisa seria o professor aquele que estaria provavelmente mais próximo disto.
provavelmente…
Há uma passagem em o Guia do Mochileiro das Galáxias de Douglas Adams, que gostaria que vocês lessem:
“Um dia, um aluno encarregado de varrer o laboratório depois de uma festa particularmente ruim, desenvolveu o seguinte raciocínio:
Se uma tal máquina (gerador de improbabilidade infnita) é praticamente impossível, então logicamente se trata de uma improbabilidade finita. Assim, para criar um gerador de improbabilidade infinita é só calcular exatamente o quanto ele é improvável, alimentar esta cifra no gerador de improbabilidades finitas, dar-lhe uma xícara de chá pelando… e ligar!
Foi o que fez, e ficou surpreso ao descobrir que havia conseguido criar o ambicionado gerador de improbabilidade infinita a partir do nada.
Ficou ainda mais surpreso quando, logo após receber Prêmio da Extrema Engenhosidade concedido pelo Instituto Galáctico, ser linchado por uma multidão exaltada de físicos respeitáveis, que finalmente se deram conta de que a única coisa que eram realmente incapazes de suportar era um estudante metido a besta.”
Somos historiadores e em vez de complicados teoremas, trabalhamos normalmente com dicotomias como rupturas e continuidades. Ainda assim, apesar da diferenças, há pontos em comum que perpassam o ambiente acadêmico em si. Aquele apontado por esse texto é o da hierarquia do conhecimento. E para impedir que essa hierarquia seja desrespeitada os historiadores inventaram e/ou se apropriaram de um mecanismo muito eficaz: o Inominável Senhor dos Erros Históricos, anacronismo.
O anacronismo, e nós chegamos no meio do título, quando usado para a manutenção da Hierarquia do Conhecimento funciona como uma venda nos olhos dos historiadores iniciantes . Costuma embaçar a visão do historiador e impedi-lo de pensar por si mesmo. Por isto devemos recorrer aos Grandes Autores, Senhores do Conhecimento Que Quase Chegaram Lá Na Verdade Absoluta. Se pensamos algo diferente deles seremos execrados publicamente. Também, como pode um estudante estúpido contradizer um longo e detalhado estudo sobre os costumes romanos?
Gostaria agora de contar uma historinha dessas que nos mandam por e-mail.
Era uma vez numa praia, um garoto correndo pela areia, pegando as estrelas-do-mar e atirando-as de volta às águas. Nisto, um velho está sentado por ali há algum tempo, acompanhado o trabalho incansável do garoto. Ele levanta-se e vai até o menino.
“Ei rapaz! Venha, venha. Deixe-me falar contigo”
Quando o garoto se aproxima o velho diz:
“Não percebe o quão inútil é isto que está fazendo?”
O garoto pensa um pouco e responde:
“Não, o que é?”
“Jogue esta estrela-do-mar que está na sua mão e verá”
O garoto obedece e joga a estrela no mar. Eles ficam parados por um tempo e o menino olha intrigado para o velho que olha paciente para o mar.
Então, uma onda trás de uma vez só três estrelas-do-mar ao longo da praia.
“Vê? A cada uma que você atira de volta o mar traz outras três. Elogiável o seu esforço em ajudar as pobres criaturas, mas observe: o mar ao contrário de você, não se cansa nunca e continuará a trazer estrelas-do-mar independente do seu esforço. Entendeu? Não faz diferença.”
O velho lhe dirige um olhar bondoso quando o mar coloca uma estrela-do-mar bem aos pés do garoto. O garoto a pega e a atira de volta.
“Fez diferença para essa”
Por mais que nossa vida tenha nos ensinado muita coisa, sempre podemos aprender um pouco mais. O velho da historinha do alto de sua sabedoria tomou no dizer de um amigo meu: uma bela duma catracada. Não que ele estivesse errado veja só. O velho estava simplesmente olhando em outra direção. Enquanto mirava seus pensamentos na lógica da vida, o garoto que nada entendia de lógica olhou para a estrela-d0-mar.
Este é o verdadeiro anacronismo, aquele que nos impede de enxergar o outro, mesmo quando ele não está há mil anos de distância, mas bem aqui na nossa frente falando algo que você acredita ser absurdo, mas não dar sequer uma chance de realmente ouvir o que ele está dizendo. E aqui vamos para a última parte que na verdade é o início do título: o anacronismo como mordaça do historiador.
Quando conseguimos espiar por baixo da venda do anacronismo, ainda assim há um grilhão tão assustador quanto o segundo. A mordaça do anacronismo nos impede de emitir nossas opiniões.
Só recentemente consegui conversar seriamente com um amigo a respeito do comunismo. Isto porque eu tenho mania de dizer que Jesus foi um comunista. Esse amigo meu fica louco quando digo isso.
”Como você pode dizer uma coisa dessas?! A palavra comunismo está carregada de significados contemporâneos que são impossíveis de serem aplicados no passado”
Por causa do anacronismo até então ele nunca ouvira o que eu realmente tinha a dizer sobre o assunto. Era engraçado quando isso acontecia porque nós discutimos centenas de coisas triviais e minha opinião sempre é levada em conta. Menos quando discutimos sobre comunismo. Aí eu tenho que me calar porque sou anacrônico, isto é, burro. Quando falo de Cristo ser comunista, é porque enxergo semelhanças essenciais no que o comunismo traça como ideal de humanidade e nas coisas que Cristo dizia (ou pelos menos que dizem que esse tal de Cristo falou).
Certa vez um jovem interpelou Jesus e lhe pediu que lhe ensinasse o caminho para o Reino dos Céus. Jesus lhe disse que seguisse os mandamentos e amasse ao próximo como a si mesmo. Ao que o jovem responde:
Transcrição de parte do capítulo 19, em Mateus:
20. Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado desde a minha mocidade; que me falta ainda?
21. Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, e segue-me.
22. E o jovem, ouvindo esta palavra, retirou-se triste, porque possuía muitas propriedades.

23. Disse então Jesus aos seus discípulos: Em verdade vos digo que é difícil entrar um rico no reino dos céus .
24. E, outra vez vos digo que é mais fácil passar um camelo pelo buraco de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus.

Ora, pode haver algo mais comunista que isso? É o desejo latente pela igualdade. O olhar severo para com pessoas de muitas posses, não porque fossem pessoas más, mas simplesmente porque as coisas materiais não significam absolutamente nada na vida – leia-se Vida Eterna - do homem, mas mais que isso. E é aqui que está o comunismo: o homem está tão apegado às suas posses que pode escolhê-las a entrar no Reino dos Céus.
Como funciona o anacronismo aqui?
Comunismo foi um termo inventado por Marx. Jesus não viveu no tempo de Marx. Na Galiléia não havia indústrias e consequentemente não havia proletariado para fazer uma revolução e instaurar o socialismo, logo o comunismo é impraticável na época de Jesus, uma vez que segundo Marx, é preciso primeiro ter um regime socialista para se chegar ao comunismo.
É mais ou menos isso. Engraçado é que até mesmo quem odeia Marx sabe isso de có. Mas quem falou em Marx? Quem falou em indústrias, proletariado e socialismo? Querem atribuir um sentido às minhas palavras que não são minhas. Mas eu não tenho direito de pensar, Marx já pensou por mim. A partir de momento que o comunismo deixou os pensamentos de Marx , saltou sobre sua língua e atravessou por entre seus dentes o comunismo não mais o pertencia.
O bom anacronismo é capaz de identificar isso. Um dos pressupostos do anacronismo é que as palavras não permanecem imutáveis ao longo do tempo, elas são antes construções culturais de uma sociedade, e a sociedade é um organismo gigante e se eu posso acordar pensando numa coisa e dormir achando outra, imagine algo tão complexo como nossa civilização?
Os anacronistas fetichistas adoram acusar os marxistas de serem anacrônicos por não seguirem a linha do raciocínio de Marx. Imagine então pensar a sociedade hoje tal como Marx pensava há um século, quando é o próprio anacronismo que indica a reformulação dos conceitos.
Se o anacronismo então serve para me amordaçar, jogar-me num calabouço escuro e frio, sozinho, então eu prefiro limpar a bunda com ele.
Como todo bom contador de histórias eu comecei o título pelo fim, fui ao começo e tornei ao fim.


Bill, estudante do 7º semestre de História pela Universidade de Brasília.

domingo, 30 de janeiro de 2011

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A liberdade não é a primeira a sair. Walt Whitman (do prefácio de Folhas da Relva).

"Quando a liberdade vai embora, ela não é a primeira nem a segunda ou a terceira a ir embora... ela espera que o resto parta primeiro... é a última a partir... Quando as memórias dos velhos mártires se apagarem totalmente... quando os grandes nomes dos patriotas forem ridicularizados em salas públicas pelos lábios dos oradores... quando não se derem mais aqueles nomes aos meninos e sim os nomes de tiranos e ditadores... quando as leis dos que são livres forem permitidas de má vontade e as leis dos dedos-duros e dos assassinos de aluguel se tornarem doces ao paladar do povo... quando eu e você passearmos lá fora sobre a terra afligidos de compaixão ao avistar inúmeros irmãos respondendo com igualdade à nossa amizade e sem chamar ninguém de mestre - e quando ficarmos exaltados com prazer nobre ao vermos escravos... quando a alma se retirar para a comunhão refrescante da noite e avaliar sua experiência e sentir imenso êxtase pela palavra e pelos atos que colocam uma pessoa impotente e inocente nas garras dos carrascos ou em qualquer posição de cruel inferioridade... quando aqueles em todas as partes destes estados que poderiam perceber o verdadeiro caráter americano mas ainda não o fazem - quando as pragas de puxa-sacos, sanguessugas, pusilânimes, parasita de políticos, planejadores de armações e dissimulados a favor de sua própria nomeação para cargos municipais ou legislaturas estaduais ou para o judiciário ou o congresso ou a presidência, obtiverem uma resposta de amor e complacência natural do povo quer consigam seus cargos quer não... quando for mais vantagem ser um imbecil decidido e um trapaceiro com cargo e um alto salário do que o mais pobre mecânico livre ou fazendeiro com o chapéu imóvel em sua cabeça e olhos firmes e um coração cândido e generoso... e quando o servilismo do município ou estado ou do governo federal ou qualquer opressão em larga ou pequena escala puder ser provada sem que sua punição siga em exata proporção contra a menor chance de escapar... ou então quando toda a vida e todas as almas de homens e mulheres forem banidos de todas as partes da terra - só então o instinto de liberdade terá sido banido daquela terra."