http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM1212730-7823-NOVA+GERACAO+DE+HISTORIADORES+REFORMULA+A+HISTORIA+DO+BRASIL,00.html
Esse é um vídeo do programa Entre Aspas apresentado por Mônica Waldvogel e sempre traz dois convidados para discutir um assunto. Os convidados em questão são o historiador Marco Antônio Villa (professor da UFSCAR) e o jornalista Leandro Narloch. Os dois, além de comentar suas respectivas obras (“Uma breve história do Estado de São Paulo” e “O guia politicamente incorreto da História do Brasil”), discorrem sobre uma nova geração de historiadores que reformulam a História do Brasil. Na entrevista eles perpassam por problemáticas recorrentes para o historiador como os manuais didáticos das escolas, o anacronismo e a construção de uma identidade nacional. Também tocam em temas como a invenção da tradição do samba e a posição das vítimas da Ditadura Militar como os novos mocinhos da história do Brasil. Em dado momento a jornalista Mônica Waldvogel pergunta quem tem esse poder sobre a história de dizer quem é mocinho e quem é bandido e porque uma visão tão maniqueísta. Lembrei-me, então, da afirmação de Hobsbawm de que “Nessa situação os historiadores se vêem no inesperado papel de atores políticos. Eu costumava pensar que a profissão de historiador (...) não pudesse (...) produzir danos. Agora sei que pode.” (Sara Daiane)
Nós conversamos sobre a entrevista e, apesar da minha resistência inicial, Sara me convenceu de que a discussão valia a pena. Então, resolvemos que seria legal já incluir uma discussão juntamente com o link para o vídeo.
Eu tinha visto a entrevista e não percebi qual a contribuição historiográfica dos entrevistados. A chamada me pareceu enganosa e exagerada, bem ao modo de quem precisa fisgar audiência. Marco Antonio Villa é acadêmico, dá aula na UFSCAR, não na história, mas sua contribuição a qualquer revisão historiográfica não corresponde nem de perto ao teor bombástico da chamada. Existem muitos trabalhos interessantes e questionadores que mereceriam mais atenção, de pessoas nem tão jovens assim. Sugiro que se consulte a bibliografia de autoria de Villa antes de se concordar ou não comigo. Já fiz esse trabalho, porque ele é sempre chamado a opinar em jornais e na televisão. Concluí que sua presença se dá simplesmente por questões político-partidárias. O novo livro, apresentado na entrevista, não li. Mas da forma como foi apresentado, pareceu nada inovador. Uma história do estado de São Paulo? Noto que não devemos tornar o "novo" um fetiche – fetiche em voga no mercado acadêmico e midiático - mas, como a chamada aponta para uma revisão historiográfica, acho importante assinalar isso. Ou seja, trata-se de um caso de instrumentalização da história, ou melhor, da autoridade acadêmica para defesa de posições políticas bem demarcadas. No meu entender, antidemocráticas e reacionárias.
O outro entrevistado também não me pareceu interessante. Mas não li o livro dele, então me restrinjo à impressão sobre a entrevista. Ele parece usar uma postura sofisticada, mas talvez apenas cínica, de assumir posições aparentemente polêmicas. Bem antigas, por sinal. Basta consultarmos a tradição do pensamento autoritário brasileiro. Por exemplo, a discussão sobre a ditadura apenas reproduz posições já assumidas por círculos militares. Concordo com ele que existe uma visão romantizada da esquerda,da resistência à ditadura, mas nem tudo se resume nesse tipo de afirmação genérica, superficial. Já a afirmação de que não existem documentos mostrando uma discussão sobre democracia e luta armada como opções políticas na esquerda - bem, isso é simplesmente leviano. É ignorar todas as discussões que dividiram a esquerda, bastante conhecidas, por sinal. Há um alerta interessante em suas afirmações, devemos tomar cuidado com a "boa consciência" que nos leva a crer que todas as "boas causas" são representadas por um grupo específico do espectro político. Nem toda a direita, por exemplo, defendeu tortura e terror como políticas de governo. E, sim, há muito autoritarismo de esquerda. O problema é que não acredito em crítica feita com leviandade. Alguém poderia dizer que o jornalista se dirige ao grande público, e não à academia. Mas, pergunto: para conquistar um público mais amplo é preciso ser leviano? A questão é grave porque se deve reconhecer que não há contribuição relevante da academia nesse sentido.
Seguindo a entrevista, quando ele afirma que já existia escravidão na África; isso não é, exatamente, uma descoberta. Mas, ele simplesmente ignora o sentido político, econômico e social da escravidão africana em contraste com a escravidão colonial. Novamente: para se atingir o grande público, é preciso ser superficial? A afirmação de que a colonização foi boa para os índios, isso é tão velho quanto os sermões de Padre Antonio Vieira. Ou o pensamento racial brasileiro de apologia ao branqueamento.
Revisão historiográfica ou retomada de velhos lugares-comuns? Aliás, quando vemos uma discussão como essa, a rigor totalmente ociosa (como, por exemplo, pensarmos se caso o Brasil tivesse criado por colonizadores anglo-saxões, o país seria hoje mais próspero etc etc etc), diante da qual somos tentados a pensar, e daí? É importante perceber que elas não dizem respeito, necessariamente, ao passado por si mesmo. O que está em jogo no momento? Disputa de terras, definição de marcos, propriedade e direitos indígenas.
Enfim, em minha opinião a entrevista não representa grande coisa na questão da historiografia. Mas, merece uma boa discussão por outros motivos: política, relação entre historiografia e mídia etc. Confiram a entrevista, se for do interesse procurem os livros dos entrevistados - enfim, desconfiem da minha opinião! (Daniel Faria)
Hobsbawm, Eric . Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. [ na BCE : 93/99 H684s =690]
Villa, Marco Antônio. Breve História Do Estado De São Paulo. São Paulo: Umesp, 2009.
Narloch, Leandro. Guia politicamente incorreto da História do Brasil. São Paulo: Leya Brasil, 2009.
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