terça-feira, 6 de abril de 2010

Álvaro de Campos. Pecado Original

“Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido?
Será essa, se alguém a escrever,
A verdadeira história da Humanidade
O que há é só mundo verdadeiro, não é nós,
Só o mundo
O que não há somos nós, e toda a verdade está aí.
Sou quem falhei ser.
Somos todos quem nos supusemos.
A nossa realidade é o que não conseguimos nunca.

Que é daquela nossa verdade — o sonho à janela da infância?
Que é daquela nossa certeza — o propósito a mesa de depois?
Medito, a cabeça curvada contra as mãos sobrepostas
Sobre o parapeito alto da janela de sacada,
Sentado de lado numa cadeira, depois de jantar.
Que é da minha realidade, que só tenho a vida?
Que é de mim, que sou só quem existo?
Quantos Césares fui!
Na alma, e com alguma verdade;
Na imaginação, e com alguma justiça;
Na inteligência, e com alguma razão —
Meu Deus! meu Deus! meu Deus!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!
Quantos Césares fui!"

Um comentário:

  1. "Somos todos quem nos supusemos.
    A nossa realidade é o que não conseguimos nunca"

    Eu quero chegar perto da realidade do autor ou do leitor da minha fonte siríaca ( Apocalipse Siríaco de Daniel). Eu sinto que posso ler todos os livros do mundo, saber tudo sobre Idade Média em Bizâncio e sobre conquista árabe no século VII, mas ainda assim eu vou estar construindo uma realidade que, na verdade, é minha.

    Que dilema vive o historiador!

    Sara Daiane

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