quarta-feira, 2 de junho de 2010

História dos Conceitos

“O trabalho de recuperação dos sentidos originais é, como se vê, penoso. O sentido superficial tem que ser afastado para deixar dar lugar às camadas sucessivas de sentidos subjacentes. Como na arqueologia, a escavação do texto tem que progredir por camadas. Os achados de cada uma delas têm que fazer sentido a esse nível. O modo como eles foram posteriormente recuperados pode ser objeto de descrição; mas isso é já uma outra história – a história da tradição.” Antonio Manuel Hespanha

Um dos grandes perigos que ronda o trabalho do historiador é o anacronismo. Esforçando-se para não ler o passado a partir de categorias do presente, ele procura se afastar para não projetar a sua realidade naquela que ele examina.

A análise dos conceitos também passa por esses cuidados. Todo conceito se prende a uma palavra, mas nem toda palavra é um conceito social e político. Os conceitos são vocábulos que reúnem em si diferentes totalidades de sentido.

Os conceitos não são atemporais. Eles apresentam, como em camadas, temporalidades distintas. Através da linguagem, eles traduzem as mudanças na experiência humana. “Os momentos de duração, alteração e futuridade contidos numa situação política concreta são apreendidos por sua realização no nível lingüístico. Logo, é importante saber a partir de quando os conceitos passam a ser empregados de forma tão rigorosa como indicadores de transformação social e política de profundidade histórica”.

As camadas evidenciam o processo de ressignificação: recorrer ao velho estoque de palavras para expressar o novo que ocorre, a ruptura que está acontecendo. Esse processo, assim como os neologismos, transforma o campo da experiência política e social definindo novos horizontes de expectativa.

Segundo Koselleck, a história dos conceitos, que está ligada á filologia, não pode prescindir da história social. É uma relação de dependência. Sem conceitos comuns não pode haver sociedade nem unidade política Por outro lado, os conceitos fundamentam-se em sistema políticos sociais no tempo.

Tomemos a palavra “revolução” como exemplo. De início ela designava o movimento dos astros, indicando um movimento constante e de retorno. Quando ela foi usada para nomear os acontecimentos políticos da Inglaterra no século XVII (“Revolução Gloriosa”) foi para indicar o retorno à ordem constituída, a restauração da monarquia. Tanto que em alguns textos esse acontecimento é retratado como “Restauração Inglesa”. Já no século XVIII, o significado da palavra “revolução” muda a partir da experiência política francesa. Ou seja, um elemento daquele velho estoque de palavra foi usado para indicar uma ruptura, a eclosão do novo, uma mudança estrutural.

Logo, é preciso que o historiador recupere a estranheza diante das palavras, diante dos conceitos; tornando um hábito desconfiar daquilo que parece óbvio.

Falando nisso, como foram designadas as rupturas na vida política nos períodos em que esse conceito moderno (‘moderno’ também tem de camadas, mas isso fica para outro post...) revolução ainda não existia?

Referências Bibliográficas:

HESPANHA, Antonio Manuel. Panorama Histórico da cultura jurídica européia. Lisboa: Europa-América, 1998.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006.

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