sábado, 7 de novembro de 2009

Depoimento: Daniel Faria

(Graduação na História da UnB de 1994 a 1999
E mestrado de 1999 a 2000.
Atualmente, professor do departamento de História.)



A eleição presidencial de 1989 foi muito agitada. Os debates eram acalorados, não havia a polarização entre PT e PSDB que deu um caráter quase plebiscitário às eleições seguintes. Em minha casa, política era um tema constante. E foi então que eu resolvi que seria comunista. Começo por aqui porque foi por causa disso que optei pelo curso de história, alguns anos mais tarde. Pensava que cursar história era um caminho natural para um militante. Acreditava que o curso ia aprofundar as minhas convicções, ampliar meus conhecimentos de história e marxismo.
Foi um engano. A história que encontrei na universidade era completamente diferente do que eu imaginava. Outros temas, outras formas de pensamento que eu desconhecia. No primeiro semestre, deixei de ser comunista – principalmente depois do primeiro impacto da leitura de Hannah Arendt. Depois disso, minha formação se voltou mais para o lado da curiosidade – sem abandonar a política: ela não se confunde, necessariamente, com a militância. Acabei estudando muitas coisas diferentes, fiz três iniciações científicas: uma sobre um missionário italiano que foi à África no século XVII, outra sobre Heráclito de Éfeso e a última sobre Noel Rosa. No aspecto acadêmico, não me arrependo de ter feito isso, apesar de hoje as agências de pesquisa recomendarem uma especialização precoce e uma formação rápida. Acredito que um bom historiador – o que não é o mesmo que um doutor em história – deve procurar ter horizontes amplos, não somente em termos de leitura, mas de vida cultural também. Enfim, sou a favor do diletantismo – não confundido com a erudição vazia. Por outro lado, ainda tenho o desejo de dar um sentido, se não político, ao menos ético ao meu trabalho. Meu maior medo, com relação à história e à universidade, é o cinismo.
A história, para mim, teve esse significado: ampliou meus horizontes. O mesmo efeito causado pela leitura de bons textos literários, por viagens, por idas ao cinema, por conversas com amigos. Para que serve isso? Não sei. Mas também acredito que as coisas mais importantes da vida não cabem em critérios de utilidade. A própria vida não serve para nada...
Profissionalmente, depois do curso pensei em mudar de rumo algumas vezes. Principalmente quando tive que trabalhar em faculdades particulares, onde geralmente os professores são tratados como peças descartáveis pelas direções (não sei porque, mas na maioria das vezes as faculdades são dirigidas por pessoas que odeiam cultura, conhecimento e pensam que a vida é um fardo pesado, os ressentidos estudados por Alberto Pimenta) e onde muitos alunos se vêem como consumidores. Mas, sempre fui salvo pelo gongo, alguma bolsa de pesquisa saía na hora H e me dava um pouco mais de ânimo.
A universidade pública tem muitos problemas. Mas o regime de trabalho é ótimo, porque o tempo dedicado a pesquisar, escrever e fazer projetos é considerado “produtivo”: posso até às vezes fazer de conta que sou um artesão, que meu trabalho, apesar do taylorismo das agências de pesquisa, tem mais a ver com ofício, artesanato, do que produção em série.

3 comentários:

  1. "A própria vida não serve para nada..." Eis um exemplo de uma afirmação totalmente niilista.

    Alex

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  2. Oi Alex,

    pode ser niilista, não sei o que você quis dizer com isso. Só recordo que "servir para" não é o mesmo que ter significado. É a instrumentalização da vida por critérios utilitaristas que conduz à falta de sentido.

    Abraço,

    Daniel.

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  3. Concordo inteiramente com você no que diz respeito ao utilitarismo que conduz à falta de sentido. Na verdade só fiz aquele comentário porque ao ler o seu texto me lembrei daquela discussão em sala de aula a respeito do niilismo. Na hora fiquei com uma forte impressão de que havia um teor niilista de falta de sentido na vida por detrás daquela sua frase. Então resolvi usá-la como um exemplo claro do que vem a ser o niilismo. Não tive a intenção de criticar, ironizar ou de usar de sarcasmo. Uma das melhores coisas é quando nós temos o autor do texto disponível para nos fornecer a verdadeira interpretação de suas palavras!

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