Ética não é uma palavra simples. Ela pode designar uma conduta, um estilo de vida. Mas, por outro lado, indicar a atividade de pensar sobre nossas ações. Seguindo Hannah Arendt, quando pensamos nos dividimos, fazemos perguntas a nós mesmos. Por isso, pensar sobre a ação não nos leva, necessariamente, a agir de acordo com o pensado. Enfim, não somos coerentes. Mas, diferentemente do cinismo que repousa tranqüilamente sobre essa incoerência, a ética como atitude reflexiva nos alerta, impede que sejamos condescendentes com nossos erros e fraquezas – que, afinal de contas, podem fazer mal aos outros.
Ao pensarmos sobre a relação entre ética e história, podemos tomar como ponto de partida este duplo sentido, de conduta e reflexão. Quando à conduta, podemos nos lembrar do dever, tão antigo quanto as “leis” de Cícero comentadas por Hartog, de o historiador procurar a veracidade. Ou, dizendo mais modernamente, de não trair aquilo que as fontes nos dizem, não mentir. Isto parece simples, mas não é, uma vez que o processo de interpretação e seleção quase sempre precede o contato com os documentos. Por isso, segundo Anthony Grafton, a condição do historiador é trágica. Ele nunca está à altura da ética exigida por seu ofício. Daí a importância da explicitação de pressupostos, da clareza quanto às escolhas que fazemos em nossos trabalhos – isso, ao menos, permite que nossos interlocutores questionem nossos pontos de vista. Mais do que certezas, portanto, o dever da veracidade propicia a formação de uma comunidade crítica.
Outro aspecto da conduta ética do historiador está anunciada por Marc Bloch, quando ele nos alerta para os riscos do anacronismo. Anacronismo, no caso, como projeção dos nossos valores e crenças em experiências diferentes da nossa. Neste sentido, o anacronismo seria uma espécie de incapacidade de se ouvir as vozes do passado, em sua singularidade, um enclausuramento do eu em seu pequeno mundo presente. Temos vários exemplos disso, como quando pensamos que o interesse econômico moderno está enraizado na natureza humana, ou quando confundimos nossas crenças com a Razão. Starobinski indicou um caminho parecido para o historiador: aprender a ouvir, aceitar que o outro (presente nos vestígios, nas fontes) nos surpreenda.
Quanto isso está próximo do malefício ético da ironia e do cinismo, apontados por Nietzsche? Ou seja: até que ponto o dever de tudo compreender não se confunde com a passividade, o conformismo? Aí estamos num novo embaraço ético para o trabalho do historiador. Isso não se resolve, porém, se nos voltarmos para a história como o tribunal onde o passado é julgado. A questão é outra: o importante é que, mesmo tendo o passado como o horizonte, o trabalho do historiador é dirigido à sua atualidade, ao seu tempo. Qual sentido, qual efeito, que tipo de catarse a história que contamos causará em nossos leitores e ouvintes? Não, não controlamos isso. Mas, eis aí o sentido ético da história como reflexão sobre o ofício. Maria Stella Bresciani, observou, por exemplo, que a historiografia brasileira, em seus clássicos, tem um nítido teor de ressentimento (contra os vícios de origem, contra o suposto atraso nacional etc). Mas, podemos pensar em outros efeitos possíveis: adesão patriótica, indignação, desespero, melancolia, alegria, perplexidade. Aí entramos no sentido pleno da ética da história: a sua relação com os contemporâneos.
Ao pensarmos sobre a relação entre ética e história, podemos tomar como ponto de partida este duplo sentido, de conduta e reflexão. Quando à conduta, podemos nos lembrar do dever, tão antigo quanto as “leis” de Cícero comentadas por Hartog, de o historiador procurar a veracidade. Ou, dizendo mais modernamente, de não trair aquilo que as fontes nos dizem, não mentir. Isto parece simples, mas não é, uma vez que o processo de interpretação e seleção quase sempre precede o contato com os documentos. Por isso, segundo Anthony Grafton, a condição do historiador é trágica. Ele nunca está à altura da ética exigida por seu ofício. Daí a importância da explicitação de pressupostos, da clareza quanto às escolhas que fazemos em nossos trabalhos – isso, ao menos, permite que nossos interlocutores questionem nossos pontos de vista. Mais do que certezas, portanto, o dever da veracidade propicia a formação de uma comunidade crítica.
Outro aspecto da conduta ética do historiador está anunciada por Marc Bloch, quando ele nos alerta para os riscos do anacronismo. Anacronismo, no caso, como projeção dos nossos valores e crenças em experiências diferentes da nossa. Neste sentido, o anacronismo seria uma espécie de incapacidade de se ouvir as vozes do passado, em sua singularidade, um enclausuramento do eu em seu pequeno mundo presente. Temos vários exemplos disso, como quando pensamos que o interesse econômico moderno está enraizado na natureza humana, ou quando confundimos nossas crenças com a Razão. Starobinski indicou um caminho parecido para o historiador: aprender a ouvir, aceitar que o outro (presente nos vestígios, nas fontes) nos surpreenda.
Quanto isso está próximo do malefício ético da ironia e do cinismo, apontados por Nietzsche? Ou seja: até que ponto o dever de tudo compreender não se confunde com a passividade, o conformismo? Aí estamos num novo embaraço ético para o trabalho do historiador. Isso não se resolve, porém, se nos voltarmos para a história como o tribunal onde o passado é julgado. A questão é outra: o importante é que, mesmo tendo o passado como o horizonte, o trabalho do historiador é dirigido à sua atualidade, ao seu tempo. Qual sentido, qual efeito, que tipo de catarse a história que contamos causará em nossos leitores e ouvintes? Não, não controlamos isso. Mas, eis aí o sentido ético da história como reflexão sobre o ofício. Maria Stella Bresciani, observou, por exemplo, que a historiografia brasileira, em seus clássicos, tem um nítido teor de ressentimento (contra os vícios de origem, contra o suposto atraso nacional etc). Mas, podemos pensar em outros efeitos possíveis: adesão patriótica, indignação, desespero, melancolia, alegria, perplexidade. Aí entramos no sentido pleno da ética da história: a sua relação com os contemporâneos.
Bibliografia:
Hannah Arendt. A vida do espírito. O pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1993. (Na BCE: 130.121 A681l =690 3.ed.)
Anthony Grafton. Origens trágicas da erudição. Pequeno tratado sobre as notas de rodapé. Campinas: Papirus, 1998. (Na BCE: 001 G737n =690)
Nietzsche, Freidrich. Escritos sobre história. Loyola: Rio de Janeiro, 2005.
Maria Stella Bresciani. O charme da ciência e a sedução da objetividade. Oliveira Vianna entre os intérpretes do Brasil. São Paulo: UNESP, 2005. (Na BCE: 32:301 B842c)
Marc Bloch. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. (Na BCE: 930 B651a =690 )
Jean Starobinski. “A literatura: o texto e seu intérprete”, in: Jacques Le Goff e Pierre Nora (orgs). História: novas abordagens. Rio de Janeiro: Francisco Alvez, 1995, p. 132-143. (Na BCE: 930.1 L516h =690)
François Hartog. A história de Homero a Santo Agostinho. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. (Na BCE: 930(38) H673h )
Muito Bom!
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