Adelino Magalhães nasceu no ano de 1887, no Rio de Janeiro. Geralmente, é enquadrado no âmbito do modernismo de viés espiritualista ou simbolista (enquadramentos assim são úteis, porém geralmente simplistas e, no pior dos casos, verdadeiras armadilhas). Sua obra abrange uma grande variedade de temas e linguagens: desde o “regionalismo”, passando pela questão social e urbana, até reflexões intimistas. Embora irregular, os melhores momentos de sua escrita são marcantes. Trago o autor para o blog, além disso, pelo fato de que os historiadores, quando trabalham com literatura, geralmente se prenderem a um círculo muito restrito de escritores e textos: Machado de Assis, Lima Barreto, Euclides da Cunha e Mário de Andrade.
De uma forma geral, toda consideração política do fenômeno literário é tida como reducionista – o que não se dá quando se trata de outras extrapolações para os campos da sexualidade, da ética, da epistemologia etc. No Brasil, porém, temos a tradição de alto nível representada por escritores como Dyonélio Machado e Graciliano Ramos, os quais questionaram a própria instituição literária pelas aproximações entre linguagem e poder. Os dois autores configuraram várias formas de silêncio e afasia como sintomas e, ao mesmo tempo, respostas contra a dominação.
O caso de Adelino Magalhães é diverso. O autor discutiu a questão social em inúmeros contos. O seu “A greve” foi publicado em 1918, um ano após a revolução russa, num momento de extrema efervescência sindical no Brasil. A história contada é simples: um pequeno movimento de revolta fracassa rapidamente, diante das pressões policiais e das negociações entre líderes operários e patrões. O mais interessante, no conto, é o discurso narrativo, que segue um ritmo alucinado, repleto de neologismos, de metáforas inventivas, palavrões, frases que se alongam de um jeito meio barroco. Tudo isso motivado pelo clima de ódio que anima a revolta. Mais que expressões racionais da luta de interesses, os operários seriam “almas ansiadas diante do surpreendente Destino!”
Por outro lado, os protagonistas são meio caricaturais, naquele esquema da elaboração dos personagens como tipos: o jornalista, o advogado, os burgueses. Estes, tratados como figuras sórdidas, calculistas. A polícia, como encarnação da brutalidade. Mas, nem por isso, os operários emergem como heróis épicos, redentores. Neles, o que se destaca é a incapacidade discursiva (em contraste com a linguagem exuberante do próprio texto). Incapacidade relacionada ao teor instintivo da revolta. Não exatamente sujeitos sociais determinados, os operários aparecem no conto como pura força vital: “O contramestre Henriquinho, o tal da sala maior dos teares, andou-se trepando na Ritoca do Augusto Gordo, houve o banzé da greve – ele saiu, ela e o pai saíram – e os dois pombinhos se foram ajuntar lá fora... o tal Henriquinho, safado, cara de alicate, que dizia que não governava cem teares, mas cem bocetas boas!”
E o advogado, por sua vez? “Falava com a rubra cara raspada, um pouco torta, para o ar, mostrando os dentes desmonotonamente brancos, amarelos, negros de cárie, douradinhos, numa expressão eclética de decisão, de medo, de deboche, de raposismo escolado e de boa vontade de natural!” Os contos de Adelino Magalhães procuram a forma do tumulto da vida no mundo contemporâneo. A raiva e o ressentimento seriam emoções fundantes, inclusive da própria escrita. Daí que as invenções do autor não fossem mero preciosismo, mas a procura de um discurso que incorporasse tamanha vitalidade e brutalidade. O trágico, porém, é que os possíveis heróis do conto são justamente aqueles com quem não haveria a possibilidade de comunicação. “A greve” deixa a revolta em estado de suspense. Há o operário, como figura ímpar da modernidade, em que se concentram as tramas do progresso e da exploração, mas não há a “consciência operária”. Em contraste, quando se fala em literatura proletária, nos vêm à mente romances de um insosso realismo propagandístico, na imagem do encontro entre o intelectual, o filósofo esclarecido e os agentes da virtude e da salvação da humanidade. O conto de Adelino Magalhães está mais para o belo poema de Drummond, “O operário no mar”, em que o tom é de admiração à distância, perplexidade e ambigüidade entre esperança e desilusão.
De uma forma geral, toda consideração política do fenômeno literário é tida como reducionista – o que não se dá quando se trata de outras extrapolações para os campos da sexualidade, da ética, da epistemologia etc. No Brasil, porém, temos a tradição de alto nível representada por escritores como Dyonélio Machado e Graciliano Ramos, os quais questionaram a própria instituição literária pelas aproximações entre linguagem e poder. Os dois autores configuraram várias formas de silêncio e afasia como sintomas e, ao mesmo tempo, respostas contra a dominação.
O caso de Adelino Magalhães é diverso. O autor discutiu a questão social em inúmeros contos. O seu “A greve” foi publicado em 1918, um ano após a revolução russa, num momento de extrema efervescência sindical no Brasil. A história contada é simples: um pequeno movimento de revolta fracassa rapidamente, diante das pressões policiais e das negociações entre líderes operários e patrões. O mais interessante, no conto, é o discurso narrativo, que segue um ritmo alucinado, repleto de neologismos, de metáforas inventivas, palavrões, frases que se alongam de um jeito meio barroco. Tudo isso motivado pelo clima de ódio que anima a revolta. Mais que expressões racionais da luta de interesses, os operários seriam “almas ansiadas diante do surpreendente Destino!”
Por outro lado, os protagonistas são meio caricaturais, naquele esquema da elaboração dos personagens como tipos: o jornalista, o advogado, os burgueses. Estes, tratados como figuras sórdidas, calculistas. A polícia, como encarnação da brutalidade. Mas, nem por isso, os operários emergem como heróis épicos, redentores. Neles, o que se destaca é a incapacidade discursiva (em contraste com a linguagem exuberante do próprio texto). Incapacidade relacionada ao teor instintivo da revolta. Não exatamente sujeitos sociais determinados, os operários aparecem no conto como pura força vital: “O contramestre Henriquinho, o tal da sala maior dos teares, andou-se trepando na Ritoca do Augusto Gordo, houve o banzé da greve – ele saiu, ela e o pai saíram – e os dois pombinhos se foram ajuntar lá fora... o tal Henriquinho, safado, cara de alicate, que dizia que não governava cem teares, mas cem bocetas boas!”
E o advogado, por sua vez? “Falava com a rubra cara raspada, um pouco torta, para o ar, mostrando os dentes desmonotonamente brancos, amarelos, negros de cárie, douradinhos, numa expressão eclética de decisão, de medo, de deboche, de raposismo escolado e de boa vontade de natural!” Os contos de Adelino Magalhães procuram a forma do tumulto da vida no mundo contemporâneo. A raiva e o ressentimento seriam emoções fundantes, inclusive da própria escrita. Daí que as invenções do autor não fossem mero preciosismo, mas a procura de um discurso que incorporasse tamanha vitalidade e brutalidade. O trágico, porém, é que os possíveis heróis do conto são justamente aqueles com quem não haveria a possibilidade de comunicação. “A greve” deixa a revolta em estado de suspense. Há o operário, como figura ímpar da modernidade, em que se concentram as tramas do progresso e da exploração, mas não há a “consciência operária”. Em contraste, quando se fala em literatura proletária, nos vêm à mente romances de um insosso realismo propagandístico, na imagem do encontro entre o intelectual, o filósofo esclarecido e os agentes da virtude e da salvação da humanidade. O conto de Adelino Magalhães está mais para o belo poema de Drummond, “O operário no mar”, em que o tom é de admiração à distância, perplexidade e ambigüidade entre esperança e desilusão.
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