segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Documento

O termo tem sua origem no termo latino documentum, derivado de docere, “ensinar”. Passou a ter o significado de prova. A concepção do termo documento inicialmente se limita a textos “oficiais” escritos, que para a história positivista do século XIX, início do XX, será o fundamento do fato histórico. O documento então era o início do trabalho historiográfico, e sem dúvida a crítica documental era (e de certa forma ainda o é) o primeiro passo para uma história científica.

Há de se entender documento como tudo aquilo que, interrogado pelo historiador, cria algum tipo de conhecimento a respeito do passado. Textos escritos, dados numéricos, imagens, tradições orais, edificações, música, instituições... O documento não possuí um valor absoluto, em si, donde cabe ao historiador apenas retirar o que é dado. O seu valor se encontra sim na sua relação com uma série de outros documentos, e para além disso, o documento nunca é dado; de certa forma pode-se dizer que ele é construído, pelo questionamento feito pelo historiador. E mais ainda, a preservação e transmissão dos rastros/vestígios do passado (que se tornam ou não documentos), estão sempre sujeitos a uma destinação incerta e aleatória, fruto do interesse com que cada sociedade tem de preservar determinado indício do passado, bem como do caminho percorrido por ele até chegar ou não a nós.

Para o historiador, não importa tanto se o documento é verdadeiro ou falso (quer dizer, importa na medida em que sabe quando o é), porque de certa forma todo documento é ao mesmo tempo falso e verdadeiro. Falso na medida em que é parcial, é apenas um fragmento de um passado que em sua plenitude é infinitamente maior. Também por ser uma imagem, uma roupagem que as sociedades históricas fazem de si mesmas para as gerações futuras. E verdadeiro porque nos transmite uma representação, uma imagem desse passado. Mesmo documentos falsos, no sentido judiciário do termo (falsificações), podem ser úteis na medida em que, querendo ou não, podem nos informar à respeito do seu contexto em que foi produzido. Ou seja, há de se entender todo documento enquanto monumento, isto é, enquanto algo que nos faz recordar do passado, enquanto um sinal desse passado, que perpetuado voluntariamente ou não, há de ser decifrado pelas perguntas do historiador.

A crítica documental

Se antes, a historiografia transformava monumentos em documentos, ou seja, sinais do passado que permitem a perpetuação, em provas de fatos históricos; pode-se dizer que a historia atual tende a transformar o documento em monumento. Contudo, se ao longo do século XX o sentido de documento se transformou, essa transformação foi acompanhada de uma mudança também na forma como tratar os documentos.

De certa forma iniciada na Idade Média, consolidada no Renascimento, enunciada no século XVII por teóricos como Mabillon em seu De re diplomatica (1681), aperfeiçoada por avanços técnicos e pelos historiadores positivistas do século XIX, a critica documental se voltava essencialmente para a autenticidade e datação dos documentos. Na historiografia de hoje, pode-se dizer que, de certa forma, cabe ao historiador criar os fatos. O documento não possui um valor isolado, mas sim com relação a um conjunto maior de documentos, donde se tece uma relação, uma intriga, um confronto de documentos. Se antes, se acreditava que, primeiro, o historiador leria os documentos, depois verificaria sua autenticidade e veracidade, para depois os usar; se entende hoje que a leitura dos documentos já implica a idéia da pergunta. Os documentos só falam quando são questionados, perguntados a respeito de determinada hipótese ou problema.

O documento não é um dado qualquer que por acaso chegou até nós. É sim um produto da sociedade que o criou segundo as relações de forças que aí detinham o poder, e que cabe ao historiador tentar entender. O documento é composto por elementos culturais (entende-se aqui cultura num sentido amplo de linguagem) inconscientes, presentes nos discursos. Por meio de uma investigação, o historiador consegue, através desses símbolos inconscientes, criar uma imagem, digamos, representação, que tem por referente o passado.


Referências Bibliográficas:

DICIONÁRIO das ciências históricas. Rio de Janeiro: Imago, 1993. 773 p. (Na BCE: 93(03) D546c =690)

BLOCH, Marc Leopold Benjamin. Apologia da história, ou, O ofício de historiador. Rio de janeiro: J Zahar, c2002. 159 p. (Na BCE: 930 B651a =690)

LE GOFF, Jacques. História e memória. 5. ed. Campinas: UNICAMP, 2003. 541 p. (Na BCE: 930 L516s 5. ed. =690)

GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. 281 p. (Na BCE: 930.1:133.4 G493m =690 2. ed.)

VEYNE, Paul. Como se escreve a historia; foucault revoluciona a historia. 4. ed. Brasilia: Editora Universidade de Brasília, 1998. 285 p (Na BCE: 930.1 V595c =690 4. Ed.)

Ricoeur, Paul. A memória, a história, o esquecimento [2000]. Campinas: Editora Unicamp, 2007.

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